sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

História e Metodologias

Modelo Positivista: Rigidez científica, os fatos e os documentos oficiais. Para estes a definição de história passa como um acontecimento, um evento real, ou seja, que acontece no tempo e espaço como resultado da ação humana. Informação a respeito de um acontecimento.

O historiador está subjetivamente limitado porque ele é uma parte do que estuda e tem de levar em consideração o papel do homem na história como um agente livre e compreender que seus dados são indiretos.

Um outro significado é investigação ou pesquisa para checar e achar dados acerca do passado. Tudo tem que ser testado sobre sua autenticidade, genuidade e integridade de sua informação.

Interpretação é um outro significado. Ela é a reconstrução subjetiva do passado, à luz dos dados colhidos, dos pressupostos do historiador e do clima da opinião de seu tempo. Sabe-se que nunca se chegará a reconstrução perfeita do passado.

Certas correntes vê o historiador como aquele que da conta do que realmente se passou, que ele é capaz de se manter independente do fato histórico, é capaz de interpretar passiva, contemplativamente – teoria do reflexo. É capaz de imparcialidade emocional, político-ideológico e social.

Ruptura com o Positivismo = Anaes. Pós 1840, historiadores como Michelet. Cria-se uma Escola para historiadores, quebra a hegemonia positivista.

1920 – questionam os rumos da história.

Marc Bloch e Lucién Fevre criam uma revista Anaes. Ênfase em sociedade e Economia. Queriam levantar perguntas que tivessem relação com a Sociedade e sua transformação. Historiografia Marxista, a produção tem que contribuir para mudanças na sociedade.

Marxista: Teoria de Movimento das Sociedades através de certos conceitos de base (modos de produção, etc...). A matéria em movimento é a única realidade e que todas as instituições humanas são determinadas pelos processos econômicos de produção. A base do pensamento marxista é o materialismo dialético, como o meio da evolução histórica. A economia em desenvolvimento era o elemento dinâmico no processo dialético. A estrutura de classes, cujos interesses e inter-relações determinavam todas as mudanças na superestrutura da sociedade, do intelecto, do governo e da religião. De uma maneira genérica, o estímulo da crítica marxista expôs as deficiências do fato de se tratar a diplomacia, a religião ou a política isoladamente da economia.

História Nova: Conjunto de características e diretrizes que procuram renovar, enfocar novos objetos de análise, outras ciências, métodos quantitativos, documentação serial.Alvo Renovar: Acontecimentos – História Narrada – Biografia – Mapas

Trabalhar com números, estatística, computador. Selecionar Documentos confiáveis e contínuos.

História Tradicional: Reis e Rainhas, Instituição, intelectuais, pessoas que representam pequena parcela da sociedade. História Nova estuda a grande maioria da população e suas atividades.

Para realizar isto: Novos Métodos de Abordagem para tirar do quase nada algo substancial com a ajuda da Psicologia, Antropologia, Literatura, etc. História Nova é Interdisciplinar: Etnopsiquiatria, Antropologia Histórica

Da História Nova surge a História das Mentalidades (1970): é uma história em construção. Interessa-se pelo cotidiano tenta entender o que há atrás dos bastidores.

Delumeau – Método: Escutar e constituir o Universo religioso a partir das doutrinas, textos, práticas, costumes, rituais, etc.

Procura recuperar as outras vertentes do pensamento religioso que foram marginalizados.

Recupera a historicidade do texto, as lutas em que foi produzido. Política, econômica e social não passam de contexto em sua abordagem.

Documentação variável (vv. Fontes): quadros, pinturas, cerâmicas, cartas, memórias,etc.

História Cultural (1980) – vida cotidiana e privada.

Micro história
CEHILA

Enrique Dussell – argentino, leigo, filosofo, pós-graduação na Europa, vai à terra santa para viver como marceneiro em Nazaré, Doutor em Filosofia, licenciatura em teologia, na França formação em História.

Proposta fazer uma História Geral da Igreja na AL. 1973 funda CEHILA (Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina).

A partir da história da conversão de Bartolomeu de Las Casas, constrói a base do pensamento da Cehila. Eclesiástico 34.18-22. Enrique tira uma epistemologia a partir deste texto lido por Lãs Casas.

Pobre: Lugar Hermenêutico de onde se interpretaria. Conceito de Pobre: Desapropriado, injustamente tratado, oprimido, empobrecido por uma questão do sistema.

Cehila nasce de uma tradição profética Latino-Americana.

1. Privilegia um Sujeito (pobre)
2. Pretende a síntese: Periodização. Quer estabelecer regularidades no comportamento da igreja.
3. Opõe uma verdade nova à verdade consagrada (visão apologética da igreja). Nova verdade: A H. I. é aquela vista do pobre.

Hoje vive uma tensão dos paradigmas: Crise do socialismo real, crítica do paradigma iluminista. Perda de receitas de bolo para fazer a história da igreja.

PARA ENTENDERMOS OS LIMITES DO FAZER HISTÓRICO

• A gente não lida com a história, com o fato, mas com uma seleção. História objetiva ocorreu e se perdeu.
• Contamos a história a partir de um ponto de vista. Um relato sobre a história não é a história.
• O exercício de entendimento tem mais consistência se tenho clareza disto. Sei que posso escrever de outro ponto de vista.
• Quais os pressupostos porque optamos por isto.
• O que faz que um fato histórico tenha relevância histórica é o intérprete que olha para ele e vê nele algum valor. Há um sistema de referência.
• O olhar sobre história está determinado pelo nosso Sistema de Referência.

Maurice Halbwachs = A memória coletiva

• O que penso/construo não sou eu que faço, mas está determinado por outros. A medido que transito por grupos diferentes o que eu lembro nada. Posso mudar até convicções.
• Momento de hoje: a afirmação da individualidade, relativiza o grupo. Transitar em grupos diferentes implica em diluição de referenciais – perigo de uma certa superficialidade consumista.
• Método da Periodização – Na história a gente faz cortes.
• Cehila vincula os cortes da História do Cristianismo aos grandes cortes da História política Econômica.
• Tudo o que se faz na historiografia é uma construção.

Questão da valoração

• Dizer o que é relevante não está no fato em si, mas na relação que este fato tem com o sistema de valor da época e do olhar de quem olha.
• O excluído passa a ser visto quando ele surge como sujeito histórico, lugar social.
• A história é sempre construída a partir de perguntas do presente. Olhar o passado com os olhos/perguntas do presente.
• História não traz o passado/realidade, mas representações do passado.
• Na história não existe mentira, mas valorização e construção.
• A verdade é uma construção é um processo, historicamente situado. Pode ter uma variedade de verdades.
• Verdades absolutas é um fechamento do processo de busca da verdade.
• Escola de Leitura. A partir das perguntas de agora.
• O tema pode te converter.

O VALOR DA HISTÓRIA DA IGREJA

1. A História da Igreja como uma Síntese (Correlação entre o passado e o futuro, ajudando a compreender nossa grande herança – a história mostra o Espírito em ação durante os séculos.)
2. A História da igreja como um auxílio para a Compreensão do presente ( Conhecemos as nossas raízes – crenças e práticas litúrgicas tornam-se mais fáceis de entender – Até problemas contemporâneos são melhor entendidos) Romanos 15:4 Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito,
3. A História da Igreja como uma Força Inspiradora
4. A História da Igreja como Ferramenta prática para ensino, estudo, sermão.

INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DO CRISTIANISMO




















Cristianismo e Judaísmo

Desde o início Deus se introduziu na história, visando a salvação. Os Evangelhos se preocupam em relatar os eventos à respeito de Jesus dentro de um contexto histórico. A história é importante para o entendimento da nossa fé, não apenas na vida de Jesus, mas em todo o contexto bíblico, que é permeado de relatos históricos. A história do Cristianismo é a história dos atos do Espírito Santo entre os seres humanos que vieram antes de nós na fé. Nos momentos em que se torna difícil ver a ação do Espírito é importante lembrar, que este Espírito age entre pessoas pecadoras, e mesmo assim estas pessoas foram usadas por Deus para que o Evangelho chegasse até nós.

Os Evangelhos entendem que Jesus veio no momento histórico certo, Deus preparou o caminho para a chegada de Seu Filho. O local a Palestina, uma terra sofrida e ao mesmo tempo desejada por várias nações, que se revezaram em conquistá-la, por seu lugar estratégico. Lugar de rotas comerciais, lugar para se firmar conquistas militares, situada num dos extremos do Crescente Fértil (lugar de abundância de alimentos). Quando Alexandre, o Grande, conquistou todo o mundo conhecido, ele visava a criação de uma civilização helênica, a herança de sua conquista aplanou os caminhos para o surgimento do Império Romano.

Todos os conquistadores tiveram problemas com os súditos hebreus, por causa de sua fé, por mais tolerância que tivessem os conquistadores, sempre surgiam grupos revoltosos, reivindicando liberdade e independência. Isto foi até aos anos 70, quando Tito conquistou e derrubou o Templo.

Os partidos religiosos judaicos são: os fariseus, o partido do povo, que tinham o propósito de aplicar a Lei a todas as circunstâncias da vida, mas que se degenerou em uma religião exterior. Os saduceus, o partido da aristocracia, que colaboravam com o regime romano. O sumo-sacerdote era desta classe, o culto do Templo ocupava para os saduceus lugar central. Ainda haviam os revolucionários zelotes e os essênios, um grupo de idéias puristas, prováveis autores dos Manuscritos do Mar Morto.

Todos estes grupos tinham em comum, o monoteísmo ético ( há um só Deus que requer a justiça entre os seres humanos e um culto apropriado) e a esperança escatológica (aguardavam a interferência de Deus na história).

Desde o exílio babilônico, os judeus se espalharam por todo o Império Romano, em alguns lugares como Roma e Alexandria haviam grandes colônias, haviam sinagogas em vários lugares, este judaísmo da Diáspora é muito importante, ele foi a base para a expansão do Evangelho. Usavam o idioma grego e tinham muita proximidade com a cultura helênica, possuíam também uma tradução do Antigo Testamento, a Septuaginta (72 anciãos – lenda).

O mundo greco-romano

Havia uma unidade política na bacia do Mediterrâneo nunca antes vista. Criou-se uma uniformidade de leis, sem violência aos costumes de cada lugar. Esta unidade permitiu aos cristãos viajarem de um lugar ao outro. Não só missionários, mas comerciantes, escravos, etc.

Havia a intenção de Roma de fomentar uma unidade religiosa também. Para isto usavam o culto ao imperador e o sincretismo religioso. Este sincretismo consiste na mistura indiscriminada de religiões. Era a moda religiosa da época. Os judeus e cristãos pareciam ser pessoas intransigentes porque insistiam num Deus único e diferente dos outros. Muitos queriam extirpá-los da sociedade. O culto ao imperador, negado pelos cristãos, era visto como sinal de traição. Os cristãos também se negavam a participar dos cultos das religiões de mistério e acabavam também por ser acusados como incrédulos e ateus.

Os cristãos encontravam apoio em duas tradições filosóficas da época. O platonismo e o estoicismo. O primeiro havia criticado os deuses pagãos como sendo de criação humana, falava de um ser supremo, imutável e perfeito. Cria na imortalidade da alma. O segundo ensinava doutrinas de alto caráter moral, criam numa lei natural que nos diz como devemos nos comportar.


A IGREJA EM JERUSALÉM

No livro de Atos se relata a existência de uma forte comunidade em Jerusalém, mas após isto há poucas referências ao acontecido com esta comunidade. Podemos com muita dificuldade ter uma idéia aproximada do que foi esta primeira comunidade.

É verdade que idealizamos esta primeira igreja, mas Atos mostra que havia sérias divisões dentro dela; Ananias e Safira; Helênicos e Hebreus (dois grupos dentro dela – que teve de ser resolvido em uma Assembléia), etc. A perseguição dos judeus começa contra os cristãos helênicos.

Os líderes eram os doze apóstolos, incluindo logo depois a Tiago, irmão do Senhor, e mais tarde incluindo a Paulo. Tiago, irmão do Senhor foi morto em 62, os chefes da igreja, entre eles Simeão, irmão de Tiago, decidiram mudar para Pela, do outro lado do Jordão, evitando as perseguições dos judeus e as suspeitas dos romanos. Simeão também foi morto, a Igreja primeira se misturou com vários grupos desviados do judaísmo e sofreu a influência deles, os últimos relatos falam de um grupo de hereges com costumes estranhos.

O Ambiente Secular do Novo Testamento
A População Judaica
Haviam 4 milhões de judeus no Impe’rio Romano, 7% da população, na Palestina não atingia 700 mil, havia mais judeus em Alexandria do que em Jerusalém.

Idiomas
O latim era a língua oficial do Império mas fora de Roma, no oriente, era falado o grego, na Palestina falavam também o hebraico e o aramaico

Comércio e Comunicações
Havia o correio imperial e as empresas particulares tinham seus próprios mensageiros. As pessoas viajavam a pé, em burro ou cavalo, ou mula e usavam carruagens ou liteiras. As hospedarias eram sujas preferiam ficar na casa de amigos. Havia mapas e manuais de orientação para turistas.

Os transportes comerciais eram feitos por água. Os navios alexandrinos que levavam cereais até Roma, ram de 60 m de comprimento, possuíam velas e levavam também remos. Além da carga podiam levar centenas de passageiros (Paulo estava em um quando do naufrágio).

A escrita era feita em papiro, ostraca (pedaços quebrados de cerâmica), ou tabletes recobertos de cera. Documentos importantes usavam o couro ou o pergaminho.

Serviços Públicos
Alexandria tinha uma biblioteca de mais de um milhão de volumes. Antioquia tinha ruas de mármore com sistema de iluminação. Várias cidades tinham esgotos subterrâneos. Havia banhos públicos a dez centavos, alguns tomavam vários banhos por dia, já havia o banho de chuveiro.

As Moradias
Eram construídas de tijolos de barro amassado com palha e ressecados ao sol nas cidades, os mais pobres eram de madeira ou cabanas. Não havia janelas para a rua por segurança. Telhados cobertos de telha ou palha. Encanamento de água e aquecimento já eram bem desenvolvidos. As casas eram baixas e com cobertura plana, as vezes com um quartinho de hóspedes no alto.

Alimentação
Os romanos tinham 4 refeições por dia. Consistia de pão, mingau de aveia, sopa de lentilhas, leite de cabra, queijo, verduras, frutas, azeitonas, toicinho defumado, lingüiça, peixe e vinho diluído em água. Os judeus tinham apenas 2 refeições, ao meio dia e à noite. Consistia de frutas e legumes, carne era para festa. Uvas passas, figos, mel e tâmaras supriam os adoçantes, não havia o açúcar. O peixe era usado. Nas refeições formais se reclinava em um divã, nas informais se assentavam.

Vestuário e Modas
Os homens usavam túnicas. Um cinto ou faixa era enrolado em volta da cintura, sandálias grosseiras nos pés e um turbante ou chapéu na cabeça. No frio uma manta ou capa pesada era usada. A cor eram normalmente o branco. As mulheres usavam uma túnica curta como roupa de baixo e algumas vezes uma túnica externa colorida até aos pés. Já havia cosméticos (batom, sombra, pintura) para as mais ricas e ornamentos como brincos e pendentes no nariz. Havia estilos de penteado que mudavam muito, usavam véu na cabeça mas não no rosto. Os homens usavam cabelo curto, cortado com navalha. Homens e mulheres tingiam os cabelos. Usavam perucas. Na Palestina os homens deixavam crescer a barba e tinham o cabelo Um Pouco mais comprido.

As Classes Sociais
Na sociedade pagã, as classes eram vigorosamente delineadas. Na judaica era menor, mas os principais sacerdotes e os rabinos formavam a classe mais alta. Fazendeiros, artesãos e pequenos negociantes eram a maior parte da população. Os cobradores de imposto eram odiados. Eles conseguiam a profissão participando de um leilão organizado pelos romanos, pelas menores taxas de juros como comissão, mas eles cobravam a mais ilegalmente e aceitavam subornos dos mais ricos e o peso aumentava para os pobres.

A Família
Em Roma os escravos eram mais numerosos que os livres, e cuidavam do treinamento das crianças. As famílias tinham em média um filho, havia incentivos para os que tivessem mais. Na Palestina havia muitos filhos, alegrava-se pelo nascimento de um menino e ficavam tristes pelo de uma menina. No 8º dia o menino era circuncidado e recebia o nome, o nome da menina demorava um mês. Não havia sobrenome, usava-se o nome do pai, filiação política (zelote), profissão ou cidade. No funeral rasgava-se a roupa, jejuava-se, contratava-se carpideiras profissionais.

Moralidade
Os pecados sexuais encabeçavam as listas do NT, e a imoralidade era atribuída aos ídolos. A prostituição era uma instituição reconhecida (homens e mulheres). Alguns tornavam prostitutas as filhas ou a esposa para ganhar dinheiro. O divórcio era fácil e freqüente. Era comum o abandono de filhos em qualquer lugar (em especial meninas). O assassínio era comum.

Diversão
Gladiadores, batalhas naval em arenas cheias de água, Morriam as vezes milhares de pessoas, Usavam leões ferozes às centenas até e outros animais que lutavam até a morte. Corridas de rigas. Peças teatrais maliciosas. Jogos Olímpicos. Havia brinquedos infantis.

Negócios e Trabalho
Havia grêmios profissionais com suas divindades. Agiam na política, auxiliavam os membros e regulamentavam as horas de trabalho. A Indústria era as pequenas oficinas. A agricultura tinha muitos avanços como fertilizantes, seleção de sementes, pesticidas e rotatividade. Havia bancos.

Ciências e Medicina
Muito pouca na Palestina, mas comum no período. Exemplo: Eratóstenes (Alexandria) – terra esférica, 24 mil milhas de diâmetro (24.800), distância da terra ao sol de 92 milhões de milhas (93) e conjeturou a existência do continente americano. A cirurgia altamente avançada: crânio, traqueotomias, amputações. Vários instrumentos médicos. Na odontologia a obturação era com ouro, dentaduras eram de falecidos ou de animais, poliam e branqueavam os dentes.

O Ambiente religioso do Novo Testamento
O Paganismo
O deus supremo era Zeus que derrubou seu pai e dividiu o domínio com seus irmãos Poseidon (mares) e Hades (inferno). Os outros deuses se rebelavam, lutavam entre si, todos tinham emoções humanas. Os romanos adotaram os deuses gregos latinizando os nomes. O culto ao imperador levou o senado a divinizar os que morriam. A partir de Domiciano começou a ser adorado em vida.

Os outros cultos, Cibele, Isís, Dionísio etc. prometiam purificação e imortalidade, giravam em torno de mitos, ritos secretos de iniciação, aspersão de sangue, etc. Muitas destas começaram a copiar modelos cristãos, tinham facilidade de sincretismo. As superstições eram fortes, fórmulas mágicas, consultas de horóscopos, oráculos, predições.

As filosofias: epicuristas que pensavam que o prazer era o sumo bem da vida, o estoicismo que a aceitação racional da própria morte é o dever do homem, ordenada por uma Razão impessoal. Os cínicos, os hippies da Antigüidade. Os céticos, para quem tudo era relativo, nada absoluto, sem esperanças. Mas em meio a tudo isto prevalecia uma atitude de desespero e de pessimismo.
O Judaísmo

Este surgiu na forma NT durante o final do AT, no exílio babilônico para frente. Em algum período a partir daí, surgiram as sinagogas. Nela se assentavam a congregação e na frente dela os anciãos. Havia cânticos sem instrumentos. Para ler o AT ficavam em pé, para pregar se assentavam.

O calendário religioso era:
1. Páscoa e Pães Asmos – Nisã (março abril)
2. Pentecoste ou das Semanas – Sivã (maio-junho)
3. Trombetas ou Rosh Hashanan – Tisri (set- outubro)
4. Dia da Expiação ou Yom Kippur - Tisri
5. Tabernáculos ou da Colheita – Tisri
6. Luzes, Dedicação ou Hanukkah - Heshvan (out-nov); Quisleu (nov-dez) Tebete (dez – jan)
7. Purim - Shebet (jan-fev); Adar (fev- mar)

A Teologia do Judaísmo
Atraia grande número de prosélitos (convertidos plenamente) e de tementes (em parte). Estes gentios admiravam o judaísmo. O registro histórico do AT era uma base convincente. Os judeus aguardavam a vinda do Messias, que variava da expectativa profética, sacerdotal ou real (militar), mas não esperavam que ele fosse um sofredor ou um ser divino. Possuíam um sistema ético rígido.

Os fariseus (separados) tiveram origem após a revolta dos Macabeus. Eram rígidos e detalhistas. Os saduceus eram os herdeiros dos hasmoneanos, tinham influência política, eram amantes do helenismo. Os essênios viviam em comunidades monásticas. Herodianos não eram uma seita religiosa mas aristocratas. Os zelotes eram revolucionários dedicados à derrubada do domínio romano, tinham um ramo extremista os sicários que carregavam adagas escondidas. Os escribas eram os profissionais copistas do AT (também doutores, mestre, rabinos). Dedicavam-se à interpretação da lei, decisões judiciais baseadas na Lei.


Os Primeiros Conflitos da Cristandade com o Império Romano


As causas da perseguição:

• Política – religio ilicita - só haveria tolerância para a Igreja enquanto ela contribuísse para a estabilidade do estado. No tempo da destruição de Jerusalém os cristãos mostraram claramente que não apoiavam o movimento nacionalista judeu, ficando claro que era uma outra religião.
• Religiosas – Para os romanos, os cristãos, que não tinham um deus visível, eram ateus, isto era intolerável. Foram acusados de incesto, canibalismo, adorar um asno, etc.
• Sociais – Odiados pelos mais aristocráticos, pela sua influência na camada mais pobre que ajudavam. Eram vistos como seres inferiores e ignorantes. Pelas atividades sociais romanas, estarem ligadas todas aos deuses, os cristãos não participavam de nada, provocando uma grande antipatia do povo para com os cristãos.
• Econômicas – Quando haviam conversões à fé cristã, as pessoas abandonavam os templos, deixavam de comprar os seus objetos, deixavam de comprar a carne sacrificada aos ídolos.

É importante destacar o apoio que os irmãos dava àqueles que estavam sob tortura ou que chegavam ao martírio. Este apoio era visto nas orações, visitas, levar provisões, pagar aos carcereiros para que dessem condições melhores. Alguns se dispunham a defender e acabavam por serem martirizados também.


Os Imperadores e a Perseguição

• Nero (54-68) foi o primeiro a levantar uma perseguição. Provavelmente para se livrar da suspeita de que fosse ele o autor do incêndio em Roma, incêndio este que talvez foi um acidente. Ele desviou, facilmente o ódio dos romanos dele para os cristãos. Mas a ferocidade desta perseguição despertou pena até daqueles que abominavam os cristãos. A perseguição se limitou a Roma. Pedro e Paulo provavelmente morreram nesta época. Durante Nero, foram os cristãos diversão para o público, vestidos com peles de animais, os cachorros os matavam a dentadas, outros crucificados, outros serviam de luminárias incandescentes. Esta perseguição foi limitada a Roma e adjacências. Em torno ao ano 64.

• Domiciano (81-96) foi outro a perseguir a Igreja em Roma, usando leis da época de Nero que não foram revogadas. O motivo foi a recusa dos judeus de pagarem um determinado imposto para o sustento de Capitolinus Júpiter. Os cristãos foram também alvo desta perseguição; e um outro motivo foi a recusa dos cristãos em oferecer incenso em homenagem à figura do Imperador. Nesta época João foi exilado na ilha de Patmos. Domiciano mandou matar seus primos: Flávio Clemente e Flávia Domitila, acusados de ateísmo e costumes judeus. Morreu também Clemente de Roma e João foi exilado na ilha de Patmos. Houve também uma perseguição muito forte na Ásia Menor, muitos líderes cristãos morrem. Esta perseguição foi entre 90 – 96.

• Trajano (98-117) Durante todo o império de Trajano a perseguição foi esporádica, havia suspeitas sobre os cristãos na questão de patriotismo. Os cristãos deveriam ser executados sempre que fossem encontrados, ou denunciados, e que não aceitassem realizar sacrifício aos deuses, mas sem uma perseguição sistemática. A morte mais marcante deste período foi a de Inácio, bispo de Antioquia.

• Adriano (117-138) e Antonino Pío (138-161) continuaram a política de Trajano. Foi durante este último que Policarpo, bispo de Esmirna foi martirizado.

• Marco Aurélio (161-180). O imperador era um filósofo estóico, deixou um livro de Meditações, e opunha-se ao cristianismo por razões filosóficas e era também muito supersticioso, cercado de adivinhos, não iniciava nada sem pedir que os sacerdotes realizassem sacrifícios. No início do reinado sofreu com inundações, invasões, epidemias, etc e o povo responsabilizava os cristãos por estas calamidades, pois eles atraíram sobre o império a ira dos deuses, parece que ele deu apoio a esta idéia. Durante o seu mandato houve perseguições violentas. Morreram a viúva Felicidade e seus sete filhos, Blandina, Justino foi outro mártir e há relato de vários outros martírios.

• Sétimo Severo (193-211). Por causa de uma situação política instável, este imperador decidiu unir todos os seus súditos sob o culto ao “Sol Invicto”, fundindo todas as religiões e filosofias. Proibiu, sob pena de morte, toda conversão ao judaísmo ou ao cristianismo. Mantendo a legislação antiga. No ano 202 inicia esta nova onda de perseguição. Irineu sofreu martírio. Mas os mais famosos martírios foram o de Perpétua e sua escrava Felicidade, junto com mais três jovens, todos catecúmenos.

• Maximino, o Trácio (235-238). Ordenou a execução de clérigos cristãos, por estes haverem apoiado o antecessor que ele matou.

• Décio( 249-251). Foi a primeira perseguição que envolveu todo o império, as anteriores eram isoladas em determinadas regiões.. Era obrigatória a queima de incenso em homenagem à figura do imperador. Em 249, Décio um romano disposto a restaura a velha glória de Roma. E uma das coisas era o culto aos deuses romanos. Restaurando os velhos, cultos, estes deuses restaurariam a glória romana. Todos os que se opusessem a isto seriam considerados traidores. O que houve de diferente era o alvo do imperador não era estimular o martírio mas a apostasia. Cada pessoa devia sacrificar diante dos deuses e queimar incenso diante da estátua do imperador. Seria um crime não fazê-lo. Quem fizesse receberia um certificado. Houve 4 classes de cristãos, aqueles que correram para obedecer, os que obedeceram diante do tribunal, os que compraram certificados com suborno e os que permaneceram fiéis (os confessores). Foi uma perseguição sistemática e por todo o império. Um novo problema para a igreja, o que fazer com os caídos diante da perseguição. Morreram os bispos Fabiano e Alexandre, Orígenes foi torturado, mas não negou a fé.

• Valeriano (253-260). Confiscou, entre 257-260, a propriedade dos cristãos e proibiu a reunião dos cristãos. Morreu Cipriano e o Bispo Sexto II, entre outros.

• Diocleciano (284-305) e Galério (292-311). A Grande Perseguição: Nos fins do século III; Diocleciano o imperador, que dividiu o império em uma tetrarquia: Ele no oriente, Maximiano no ocidente (os augustos), e sob eles, Galério e Constâncio Cloro (os césares). A intenção era assegurar uma sucessão pacífica. Só Galério tinha uma inimizade profunda com o Cristianismo, a esposa e a filha de Diocleciano eram cristãs. O problema começou no exército, que tinham muitas práticas religiosas, o que não era obedecido pelos cristãos. Em 295 vários cristãos foram mortos por não quererem entrar no exército ou por tentar abandoná-lo. Galério convenceu o imperador a expulsar os cristãos do exército. Depois houve um edito (303) que ordenava que os edifícios e livros sagrados dos cristãos fossem destruídos, e perdessem a dignidade e direito civil. Os cristãos se negaram a entregar os livros e isto acabou gerando uma grande perseguição, com exceção do território de Constâncio. A esposa e a filha de Diocleciano realizaram sacrifícios, mas o seu mordomo Doroteu junto com outros foram martirizados. Houve uma série inumerável de torturas para cristãos nesta época. Depois de muitas intrigas políticas, Galério enfermo de morte, promulgou seu famoso edito de tolerância.

Elaboração do Credo, da Organização; Culto e Disciplina

Em reação a estes desvios da doutrina, aos perigos da desorganização, etc. A Igreja teve que dar uma resposta:

Bispo Monárquico – a organização da Igreja. No século II surgem orientações como o Didaquê que coloca ordens quanto a escolha de bispos e diáconos, provavelmente os primeiros oficiais da igreja. Bispos sempre no plural, ou também chamados de presbíteros. Na Ásia Menor aparecem evidências do surgimento de um bispo monárquico, que lideraria os outros. Inácio em 110 -117 em suas cartas exalta e afirma a importância do bispo monárquico. Em torno de 160 esta função já tinha se tornado universal. Foi fortemente apoiada pela doutrina da sucessão apostólica. Visto assim o próximo passo foi o reconhecimento de que uns seriam mais importantes do que outros, e em especial o Bispo de Roma (possibilidade de ser fundada por Pedro, a morte de Pedro e Paulo em Roma, Perseguição em 64, a maior carta de Paulo, a maior igreja no fim do primeiro século, etc.). A princípio este caminho foi um caminho de defesa contra a heresia.

A Regra de Fé – Credo dos Apóstolos – A partir de um “símbolo de fé”, recitado durante o batismo, e feito para reprimir as heresias, surgiu o Credo. O Cânon do Novo Testamento – em reação à Marcion que deturpou a interpretação bíblica e considerou inspirado só Lucas e as Cartas de Paulo

Conduta e Culto

Liturgia
Bispo Monárquico, sucessão apostólica, crentes vindo das religiões de mistério, serviram para separar o bispo dos leigos. A Ceia e o Batismo se tornaram ritos exclusivos. Havia um período de experiência para os catecúmenos, assistiam os cultos separados e não podiam cultuar no santuário. O batismo era em geral por imersão; afusão ou aspersão ocasionalmente, infantil e clínico surgiram neste período. Havia uma série de ritos em torno da ceia e do batismo, só o sacerdote poderia executá-los. A Páscoa surgiu como festa cristã nesta época. O Natal, purificado dos seus elementos pagãos só foi aceito em 350. Ao final da perseguição em 313, os cristão se reuniram nas catacumbas, lugares de culto e enterro de seus mortos. 6 a 15 metros abaixo do solo, e quilômetros de extensão. Surgiu ali também os primeiros símbolos e vestígios de arte cristã.

Os cristãos vinham das classes mais baixas da sociedade. Escravos, carpinteiros, pedreiros ou ferreiros em sua maioria. Havia entre eles livros apócrifos que contavam histórias fantasiosas sobre a infância de Jesus, etc. Não eram heréticos, eram de entretenimento.

O culto cristão

Reunia-se desde o começo no primeiro dia da semana para “partir o pão”. Era assim no primeiro dia porque nesse dia se comemorava a ressurreição do Senhor. O propósito não era penitência ou confessar pecados, mas celebrar a ressurreição e as promessas das quais a ressurreição era a garantia. Este é um tema central na história da Igreja. O tom do culto era a alegria e a gratidão. No início era a ceia celebrada em meio a uma refeição. Cada um trazia o que podia. No segundo século esta já não havia (perseguição e calúnia). Neste século duas partes: Liam e comentavam a Escritura, orava-se e cantavam hinos. A Segunda parte começava com um ósculo da paz. Trazia-se o pão e o vinho à frente e apresentava-os ao que presidia. Este orava sobre os elementos e recordava os atos salvíficos e se invocava a ação do Espírito sobre o pão e o vinho, depois da comunhão, se despediam com a bênção.

Só participava do culto os batizados. O culto era nas catacumbas, porque ali estavam sepultados os fiéis já falecidos, os heróis da fé, e os cristãos criam que a comunhão os unia. Fora isto os cristãos se reuniam nas casas, o templo mais antigo achado, antes de 256 era uma casa-igreja. Se reuniam no Domingo,mas logo começaram a se reunir em outros dias da semana. Quartas e Sextas eram dias de jejum.

Nesta época se criara o catecumenato, que durava 3 anos, onde o novo convertido recebia instrução acerca da doutrina cristã. Eram examinados antes do batismo. Este era ministrado uma vez por ano (Domingo da ressurreição). Jejuavam durante a Sexta e Sábado. O batismo era na madrugada do Domingo, por imersão, desnudados, homens separados das mulheres. Ao sair da água era dado uma vestidura branca símbolo da sua nova vida. Davam água para beber (limpo interiormente), recebia unção (sacerdote) e davam-lhe leite e mel porque havia entrado na terra prometida. Depois participava da ceia.

OS CRISTÃOS DO TEMPO DAS PERSEGUIÇÕES (defendidos pelos Apologistas)

"Carta de identidade" dos primeiros Cristãos

Desde o séc. 1º a religião cristã difundiu-se rapidamente em Roma e em todo o mundo, não só pela sua originalidade e universalidade, mas muito também pelo testemunho de fervor, de amor fraterno e de caridade demonstrada pelos cristãos para com todos. As autoridades civis e o próprio povo, antes indiferentes, demonstraram-se logo hostis à nova religião, porque os cristãos recusavam o culto ao imperador e a adoração às divindades pagãs de Roma. Os cristãos foram por isso acusados de deslealdade para com a pátria, de ateísmo, de ódio pelo gênero humano, de delitos ocultos, como incesto, infanticídio e canibalismo ritual; de serem causa das calamidades naturais, como a peste, as inundações, a carestia, etc.

A religião cristã foi declarada: strana et illicita: estranha e elícita (decreto senatorial de 35), exitialis: perniciosa (Tácito), prava e immodica: malvada e desenfreada (Plínio), nova et malefica: nova e maléfica (Suetônio), tenebrosa et lucifuga: obscura e inimiga da luz (Octavius de Minucio), detestabilis: detestável (Tácito); depois foi posta fora da lei e perseguida, porque considerada como o mais perigoso inimigo do poder de Roma, que se baseava na antiga religião nacional e no culto do imperador, instrumento e símbolo da força e unidade do Império.

Os três primeiros séculos são a época dos mártires, que terminou em 313 com o edito de Milão, com o qual os imperadores Constantino e Licínio deram liberdade à Igreja. A perseguição nem sempre foi contínua e geral, isto é, estendida a todo o império, nem sempre igualmente cruel e cruenta. A períodos de perseguições seguiam-se períodos de relativa tranqüilidade.

Os cristãos, na grande maioria dos casos, enfrentaram com coragem, freqüentemente com heroísmo, a prova das perseguições, mas não a sofreram passivamente. Defenderam-se com força, confutando tanto a falta de fundamento das acusações que lhes eram dirigidas de delitos ocultos ou públicos, apresentando os conteúdos da própria fé ("Aquilo em que acreditamos") e descrevendo a própria identidade ("Quem somos").

Os cristãos pediam nas "Apologias" ("discursos de defesa") dos escritores cristãos do tempo, endereçadas também aos imperadores, que não fossem condenados injustamente, sem serem conhecidos e sem provas. O princípio da lei senatorial "Non licet vos esse": "não é lícito que existais" era julgado injusto e ilegal pelos Apologistas, porque os cristãos eram cidadãos honestos, respeitosos das leis, devotos ao imperador, industriosos na vida privada e pública.

Uma vez que as catacumbas contêm a prova e a confirmação da vida admirável dos cristãos, como é descrita pelos apologistas, apresentamos alguns de seus trechos significativos, que constituem como que uma carta de identidade dos cristãos dos primeiros tempos.

1. Da Carta a Diogneto apologia de um autor desconhecido, séc. 2º/3º.

São homens como todos os outros
"Os cristãos não se distinguem dos demais homens nem pelo território, nem pela língua que falam, nem pelo modo de vestir. Não se isolam em suas cidades, nem usam uma linguagem particular, nem levam um gênero de vida especial.

Sua doutrina não é conquista do gênio irrequieto de homens curiosos, nem professam, como fazem alguns, um sistema filosófico humano. Moram em cidades gregas ou bárbaras (estrangeiras), como cabe a cada um por sorte e, adaptando-se às tradições locais quanto às roupas, à alimentação e a tudo o mais da vida, dão exemplo de um estilo próprio de vida social maravilhosa, que, segundo a confissão de todos, tem algo de incrível".

Moram na terra, mas são cidadãos do Céu

"Moram em sua pátria, mas como estrangeiros. Como cidadãos, participam de todos os deveres, mas são tratados como estrangeiros. Qualquer terra estrangeira é uma pátria para eles e toda pátria é terra estrangeira. Mudam de lugar como todos e geram filhos, mas não expõe os recém-nascidos. Têm a mesa em comum, não o leito. Vivem na carne, mas não segundo a carne (2Cor 10,3, Rm 8,12-15). Passam sua vida na terra, mas são cidadãos do céu.

Obedecem às leis estabelecidas, mas superam-nas com o seu teor de vida. Amam a todos e por todos são perseguidos. Não são conhecidos e são condenados. Dá-se-lhes a morte, e eles dela recebem a vida. São pobres, mas a muitos tornam ricos (2Cor 6,9-10). Nada possuem, mas tudo têm em abundância. São desprezados, mas encontram no desprezo a glória diante de Deus. Ultraja-se a sua honra e acrescenta-se testemunho à sua inocência.

Insultados, abençoam (1Cor 4,12). Demonstram-se insolentes com eles, e eles tratam-nos com respeito. Fazem o bem e são punidos como malfeitores. E punidos, gozam, como se lhes dessem vida. Os judeus fazem-lhes guerra como raça estrangeira. Os Gregos perseguem-nos, mas aqueles que os odeiam não sabem dizer o motivo de seu ódio".

Estão no mundo como a alma no corpo
"Para dizer com uma só palavra, os cristãos estão no mundo como a alma está no corpo. Como a alma difunde-se por todas as partes do corpo, assim também os cristãos estão disseminados pelas várias cidades do mundo. A alma habita o corpo, mas não provém do corpo: também os cristãos habitam no mundo, mas não provém do mundo. A alma invisível está encerrada num corpo visível; também os cristãos, sabe-se que estão no mundo, mas a sua piedade permanece invisível.

Como a carne odeia a alma e faz-lhe guerra, sem ter recebido qualquer ofensa, mas só porque lhe proíbe gozar dos prazeres, também o mundo odeia os cristãos que não lhe fizeram qualquer coisa de errado, só porque se opõem ao sistema de vida fundado no prazer.

A alma ama à carne, que a odeia, e aos membros; os cristãos igualmente amam aqueles que os odeiam. A alma está encerrada no corpo, mas ela própria sustenta o corpo; também os cristãos são retidos no mundo como numa prisão, mas eles próprios sustentam o mundo. A alma imortal habita numa tenda mortal, também os cristãos moram como peregrinos entre as coisas que se corrompem, à espera da incorruptibilidade dos céus.
Mortificando-se nos alimentos e nas bebidas, a alma se faz melhor; igualmente os cristãos, punidos, multiplicam-se dia a dia. Deus deu-lhes um lugar tão sublime, que não devem absolutamente abandonar".

2. Dos "Livros a Autolico" de São Teófilo de Antioquia (Séc. 2º)

Os cristãos honram o imperador e rezam por ele (livro I,2)

"Honrarei o imperador, mas não o adorarei; mas rezarei por ele. Eu adoro o Deus verdadeiro e único por quem eu sei que o soberano foi feito. Poderias, então, perguntar-me: porque, pois, não adoras o imperador? O imperador, pela sua natureza, deve ser honrado com obséquio legítimo, não deve ser adorado. Ele não é Deus, mas um homem que Deus colocou não para que seja adorado mas para que exerça a justiça sobre a terra.
O governo do estado foi-lhe confiado de alguma forma por Deus. E como o imperador não pode permitir que o seu título seja portado por quantos são-lhe subordinados - ninguém de fato pode ser chamado de imperador - assim também ninguém pode ser adorado, senão Deus. O soberano, então, deve ser honrado com sentimentos de devoção; é preciso prestar-lhe obediência e rezar por ele. Assim realiza-se a vontade de Deus".

A vida dos cristãos demonstra a grandeza e a beleza de sua religião (livro III, 15)

"Encontra-se nos cristãos um sábio domínio de si, exerce-se a continência, observa-se o matrimônio único, a castidade é conservada, a injustiça é excluída, o pecado extirpado em sua raiz, pratica-se a justiça, a lei é observada, a piedade é apreciada com fatos. Deus é reconhecido, a verdade, considerada norma suprema.

A graça conserva-os, a paz protege-os, a palavra sagrada guia-os, a sabedoria instrui-os, a vida (eterna) dirige-os, Deus é o seu rei".

3. De "A Apologia" de Aristides (séc. 2º)

Os cristãos observam as leis de Deus

"Os cristãos trazem gravadas em seu coração as leis de Deus e observam-nas na esperança do século futuro. Por isso não cometem adultério, nem fornicação; não dão falso testemunho; não se apossam dos depósitos que receberam; não desejam aquilo que não lhes diz respeito; honram o pai e a mãe, fazem o bem ao próximo; e, quando são juizes, julgam com justiça. Não adoram ídolos de forma humana; tudo aquilo que não querem que os outros lhes façam, eles não o fazem a ninguém. Não comem carnes oferecidas aos ídolos, porque são contaminadas. Suas filhas são puras e virgens e fogem da prostituição; os homens abstém-se de qualquer união ilegítima e de toda impureza; suas mulheres igualmente são castas, na esperança da grande recompensa no outro mundo..."

São bons e caridosos

"Socorrem aqueles que os ofendem, tornando-se seus amigos; fazem o bem aos inimigos. Não adoram deuses estrangeiros; são delicados, bons, pudicos, sinceros, amam-se entre si; não desprezam a viúva; salvam o órfão; quem possui dá, sem lamentos, àquele que não possui. Quando vêem os forasteiros, fazem-nos entrar em casa e alegram-se com eles, reconhecendo neles verdadeiros irmãos, porque chamam assim não aqueles que o são pela carne, mas aqueles que o são segundo a alma.

Quando um pobre morre, se ficam sabendo, contribuem segundo os seus meios para o funeral; se vêm a saber que alguns são perseguidos ou aprisionados ou condenados pelo nome de Cristo, colocam em comum as suas esmolas e enviam-lhes aquilo de quem precisam, e se podem, libertam-nos; se há um escravo ou um pobre a socorrer, jejuam dois ou três dias, e o alimento que tinham preparado para si lhe é enviado, julgando que também ele deve gozar, sendo como eles chamado à alegria".

Vivem na justiça e na santidade

"Observam exatamente os mandamentos de Deus, vivendo santa e justamente, assim como o Senhor Deus prescreveu-lhes; dão-lhe graças todas as manhãs e todas as noites pelo alimento ou bebida e por todos os outros bens...
São estas, ó Imperador, as suas leis. Os bens que devem receber de Deus, são pedidos a ele, e assim passam por este mundo até o final dos tempos: pois Deus sujeitou tudo a eles. São, pois, reconhecidos para com ele, porque para eles foi feito todo o universo e a criação. Certamente essa gente encontrou a verdade".

4. De "O Apologético" de Tertuliano (séc. 2º-3º).

Os cristãos não são inúteis e improdutivos

"Somos acusados de ser improdutivos nas várias formas de atividades. Mas, como pode-se falar assim de homens que vivem convosco, que comem como vós, que vestem as mesmas roupas, que seguem o mesmo gênero de vida e têm as mesmas necessidades de vida?

Lembramo-nos de dar graças a Deus, Senhor e criador, e não recusamos nenhum fruto de sua obra. É certo que usamos as coisas com moderação, não de forma exagerada ou errada. Coabitamos convosco e freqüentamos o foro, o mercado, os banhos, os negócios, as oficinas, as estalas, participando de todas as atividades.

Também navegamos convosco, combatemos no exército, cultivamos a terra, exercemos o comércio, trocamos as mercadorias e colocamos à venda, para o vosso uso, o fruto do nosso trabalho. Não entendo realmente como podemos parecer inúteis e improdutivos para os vossos negócios, quando vivemos convosco e de vós.

Sim, há quem tenha motivos para lamentar-se dos cristãos, porque não pode comerciar com eles: são eles os protetores de prostitutas, os rufiões e seus cúmplices; e também os criminosos, os que matam com veneno, os encantadores, os adivinhos, os feiticeiros, os astrólogos. Grande coisa ser improdutivos para essa gente!... E depois, nas prisões jamais encontrais um cristão, a não ser por motivos religiosos. Nós aprendemos de Deus a viver na honestidade".

A ESPIRITUALIDADE DAS CATACUMBAS (extraído Internet)

FIG 1 Parecia ao desconhecido cristão dos primeiros tempos, que peregrinava na vasta necrópole calistiana, ter entrado na mística Jerusalém, na cidade que se tornara púrpura pelo sangue dos mártires e refulgente da sua glória. Ao sair, ele gravou de forma elegante, numa parede, estas palavras que ainda hoje podem ser lidas: "JERUSALEM CIVITAS ET ORNAMENTUM MARTYRUM DEI...": "Jerusalém, cidade e ornamento dos mártires de Deus".

O peregrino de hoje, igualmente, entrevê nas catacumbas com espírito comovido o segredo íntimo da espiritualidade daqueles pontífices mártires, daquelas virgens e daquela inumerável multidão de desconhecidos cristãos.

As inscrições e pinturas, supérstites a tantas devastações e depredações, revelam esse segredo, ao menos em parte, e ainda repetem as palavras de um antigo epitáfio cristão: "Tàuta o bìos": "Esta é a nossa vida".

A espiritualidade das catacumbas é a mesma da Igreja primitiva em sua juventude de conquistas e de martírio. Nutrida pelo cerne das escrituras, simples e poderosa, ela é a irmã das mais antigas liturgias, e assim o visitante das catacumbas bebe nas fontes da espiritualidade cristã.

São vários os aspectos dessa espiritualidade:

Espiritualidade cristocêntrica

FIG 2 Essa espiritualidade coloca Jesus Cristo como a figura dominante. Aquilo que o sagrado Coração de Jesus, quer dizer, o sinal da bondade de Cristo é para o católico de hoje, para o cristão antigo era o Bom Pastor. Entre as representações das catacumbas essa é a mais freqüente; está pintada nos tetos, entre ricas decorações floreais, gravada toscamente nas placas sepulcrais, modelada em relevo sobre os sarcófagos e, enfim, esculpida com grega elegância numa das mais antigas estátuas cristãs que se conheçam (séc. 4º, Museus Vaticanos). O cordeiro que repousa sobre seus ombros, seguro com força pelas mãos do pastor é o cristão. Tudo ao redor respira a atmosfera de confiança que fazia Paulo exclamar: "quem haverá de separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome?" (Rm 8,35).

O Salvador é freqüentemente representado em ação no meio dos homens: nos baixos-relevos ou nas paredes vê-se Jesus que toca os olhos ao cego ou que faz Lázaro ressuscitar do túmulo, que multiplica os pães ou muda a água em vinho: é o Cristo que passa fazendo o bem.

Vêm, depois, os símbolos. Talvez as representações mais significativas sejam aquelas em que Cristo aparece sob o véu de um símbolo. Antes de Constantino, quando a cruz era usada todos os dias como patíbulo de escravos e de estrangeiros, o cristão cobria piedosamente o seu aspecto repelente com alguns símbolos, como, por exemplo, a âncora.

FIG 3 Ao lado de Jesus, os cristãos das catacumbas gostaram de representar, com afeto filial, a sua Virgem Mãe. Já nos inícios do séc. 3º, nas Catacumbas de Priscila, a figura suave de Maria, que segura Jesus junto ao seio, enquanto o profeta Balaão indica a estrela que resplende acima de sua cabeça.

E ainda a Virgem que mantém o Filho nos braços, enquanto os Magos aproximam-se para oferecer os seus presentes. A adoração dos Magos é repetida nas várias catacumbas em pinturas, esculturas e outros objetos preciosos (reliquiários, marfins, pingentes, anéis).

Espiritualidade Sacramental

A espiritualidade das catacumbas é também sacramental. O mundo exterior da matéria entra, nos sacramentos cristãos, como sinal e como instrumento, realizando a redenção e a salvação do homem: Batismo e Eucaristia.

Em nenhum outro cemitério encontram-se tantas representações sacramentais como as que encontramos nos Cubículos dos Sacramentos em São Calisto. Acenemos aos Sacramentos dos quais existe uma documentação maior.

FIG 4 BATISMO. Não estamos ainda no tempo em que serão erigidos edifícios esplêndidos para honrar esse Sacramento (p. ex. o Batistério do Latrão). O Batismo ainda era conferido nas domus Ecclesiae, as casas de família, e não raramente em segredo. A grandeza do sacramento, porém, era conhecida. Paulo havia falado dele com termos grandiosos justamente na Carta aos Romanos (c. 6). Os cristãos sabiam que através do rito batismal, o homem morre e ressurge misticamente com Cristo, e é associado à vida divina pela eficácia desses atos redentores.

Uma das mais antigas pinturas nos assim chamados Cubículos dos Sacramentos, em São Calisto, mostra-nos o Batismo. Diante de um espelho d'água, senta-se um pescador que, com o seu anzol, tira um peixe para fora: agrada-nos ver nesse personagem um apóstolo, que obedece ao mandamento de Jesus: "Segui-me; eu vos farei pescadores de homens" (Mc 1,17).

Muitos cristãos, "alcançados por Cristo" (Fl 3,12) após angustiantes experiências interiores, sentiam que o momento do Batismo marcara o início de uma vida nova. De aqui o nome que se lê numa lápide da tricora de São Calisto, nome que depois tornou-se tão comum na Cristandade: "Renatus": "Nasci de novo!".


FIG 5 EUCARISTIA. E eis-nos diante da jóia destas Capelas: a trilogia eucarística.
No afresco, os cristãos reunidos à mesa eucarística são sete, como os discípulos reunidos ao redor de Jesus ressuscitado às margens do lago; nos pratos diante deles está o peixe: Jesus Cristo Filho de Deus Salvador.

FIG 6 Na cena à esquerda, o sacerdote estende as mãos sobre uma pequena mesa onde está o pão eucarístico: referência clara ao ato de consagração reservado aos ministros; do outro lado da mesa, um orante com os braços elevados recorda-nos que, para ir para o céu, é preciso nutrir-se daquele pão consagrado (a Eucaristia).

FIG 7 Não podemos deixar de lado uma representação, preciosa pela sua antigüidade e pelo seu grande valor pastoral. Na Cripta de Lucina, datada do séc. 2º, na parede diante da entrada, estão representados simetricamente dois peixes, diante dos quais estão colocados dois cestos cheios de pães. Entrevêem-se nos cestos duas taças de vinho. O peixe é Cristo; pão e vinho são as espécies sob as quais Ele se faz presente na Eucaristia.

Estamos nas fontes da cristandade. O cristão antigo, consciente de que "não existe sob o céu outro nome dado aos homens, no qual possam ser salvos, senão o de Cristo" (At 4,14), sabe que só pode ser associado a Cristo através dos Sacramentos instituídos por Ele com essa finalidade.

Espiritualidade social

A espiritualidade das catacumbas é também "social": o cristão habituado a dizer na oração não mais "Meu Pai", mas "Pai nosso", sabe que na família de Deus não se vive de modo isolado, mas socialmente: "Sendo muitos, somos um só corpo em Cristo" (Rm 12,5). As catacumbas dão-nos a imagem desse corpo místico no qual os cristãos ordinariamente convivem em hierarquia de funções e em unidade de espírito. Aqui os Pontífices Mártires repousam em meio à humilde multidão do seu rebanho.

Da parte frontal de um sarcófago, um jovenzinho eleva as mãos em atitude de orante bem-aventurado na visão de Deus: aos seus lados, parece que Pedro e Paulo, os fundadores da Igreja de Roma, o introduzem na pátria beata.

Em Domitila, na pintura de um arcossólio, Veneranda chega com roupas de viagem, peregrina que concluiu o seu exílio, às portas da pátria: a santa do lugar, Petronília, com aspecto suave, a acolhe e faz entrar.

Há um intercâmbio de orações entre as diversas partes da Igreja! Centenas de peregrinos recomendam-se a Pedro e Paulo sepultados na Memória da Via Appia Antiga (Catacumbas de São Sebastião), gravando breves mensagens na argamassa da tríclia (ambiente para banquetes funerários, a céu aberto): "Paulo e Pedro, orai por Vítor - Pedro e Paulo, tende Sozomeno no pensamento".



FIG 8 No ingresso do mausoléu dos Papas em São Calisto, a parede está constelada de orações: "S. Sisto, tem Aurélio Repentino no pensamento", "Espíritos Santos... que Verecundo bem navegue com os seus". Às vezes não há uma oração explícita: basta, para implorar, uma qualificação acrescentada ao nome: "Felicião, sacerdote, pecador".

Contam-se aos milhares as inscrições com orações dos vivos pelos defuntos ou com solicitações aos mortos para que rezem pelos que estão vivos. Na sociabilidade do Corpo Místico, cada indivíduo está ligado à Igreja inteira.

Espiritualidade Escatológica

O cristão tende aos "éscata", isto é, às realidades definitivas da vida eterna: "Não temos aqui em baixo morada permanente, mas estamos em busca da morada futura" (Hb 13,14). "A nossa pátria é nos céus" (Fl 3,20). Basta um breve giro por uma catacumba para ver essa verdade brilhar da mais viva luz.

E chegamos à escada que desce à Cripta dos Papas. Na parede esquerda uma lápide fala-nos de Agripina, "cuius dies inluxit": o dia da morte foi o dia do seu ingresso na luz, na esperada bem-aventurança. Pouco abaixo uma inscrição grega de Adas, que "ecoimète", "adormeceu", como a menina de Cafarnaúm, que - como diz o Evangelho - "não está morta, mas dorme" (Mc 3,59), e espera a chamada d'Aquele que é a ressurreição e a vida.

Numa capela, Jonas, que escapara das garras do monstro representante da morte, repousa placidamente à sombra de um caramanchão. Mais além, o Bom Pastor aperta com ternura o cordeiro nos ombros: a morte não é mais terrificante para o cristão, que é levado por Jesus a verdes pastagens.

FIG 9 Da parede de um cubículo cinco cristãos elevam os braços em ato de adoração; ao redor deles um belíssimo jardim florido: é o paradisus, o jardim celeste. De uma lápide, entre as mais antigas, uma cruz-âncora anuncia-nos que chegou ao porto do paraíso uma cristã que tem um luminoso nome de estrela: "Hèsperos".
Estes cemitérios são, também, cheios de paz. A resposta está na fé dos antigos cristãos, que freqüentemente fala no silêncio das catacumbas: "Porque procurais entre os mortos aquele que está vivo?" (Lc 24,5). "Eu sou a ressurreição e a vida" (Jo 11,25). "Não tenhas medo, somente fé" (Mc 5,36).

Espiritualidade bíblica

Pintores e incisores, escultores e epígrafos, parecem-nos embebidos e inspirados pela Palavra de Deus. Aqui, o Antigo Testamento é todo meditado e interpretado à luz do Novo Testamento. Parece ouvir os temas centrais dos Evangelhos e das Cartas. Assim como a Liturgia e a literatura patrística, também a Espiritualidade das Catacumbas alimenta-se das Sagradas Escrituras, a exemplo da mártir Cecília que, segundo as Atas do martírio "semper evangelium Christi gerebat in pectore" (carregava sempre consigo o Evangelho de Cristo), e no ato supremo do martírio indica com os dedos a Unidade e a Trindade de Deus.

Espiritualidade nova e transformadora

Descobre-se aqui a verdadeira revolução operada pelo Cristianismo. Estão presentes de modo particular dois tipos de personagens de grande força espiritual: o "mártir" e a "virgem". O "mártir" dá a vida para atestar a certeza da própria fé; dá-la com serenidade e sem lamento em meio ao desencadear-se de brutalidades e torturas; morre sem ódio pelo assassino, antes, implora o perdão para ele. Muitos cristãos sepultados nas catacumbas realizaram de modo sublime e em inúmeros casos o martírio cruento.

A figura da "virgem" cristã não está ausente das catacumbas. É significativo sobre isso o poema damasiano em honra de sua irmã Irene, sepultada no complexo calistiano:
"... Esta, quando ainda em vida, tinha-se votado a Cristo,
assim que o mesmo santo pudor provou o mérito da virgem...
E agora, quando Deus vier até mim
lembra-te de Dâmaso, ó virgem,
para que a tua luz me ilumine".

FIG 10 Saindo das Catacumbas de São Calisto, a última grande lápide que se vê no fundo da escada é a de Baccis. Grandes e rudes caracteres vermelhos em pedra cinzenta contam uma humilde história. Quem meditá-la perceberá com os olhos da fé, transparecer por detrás das letras dois vultos: um delicado, da menina morta, e outro áspero, do pai, no qual brilha um sorriso de ternura cheio de lágrimas. Eis as palavras: "Baccis, doce alma. Na paz do Senhor. Viveu 15 anos, 75 dias. (Morreu) nas vésperas das calendas (dia 1º) de dezembro. O pai à sua dulcíssima filhinha ". Uma onde divina de pureza e de ternura entrara com a fé de Cristo também nas famílias mais humildes.

FIG 11 Nas mesmas catacumbas desceu certo dia um peregrino em busca de conforto. Entrou rezando, e no fundo da escada, confiou à parede um augúrio de vida feliz entre as almas diletas para a sua morta: "Sofronia vivas cum tuis" ("Sofrônia, vivas com os teus"). No fundo da escada o querido nome aparece de novo com um augúrio de vida em Deus: "Sofronia, vivas in Domino" ("Sofrônia, vivas no Senhor"). Enfim, num cubículo ao lado de um arcossólio, a escrita aparece uma terceira vez. Na oração, o luto perdeu a sua amargura e tornou-se uma esperança cheia de imortalidade: "Sofronia dulcis semper vives in Deo" ("Sofrônia, vivas docemente em Deus para sempre"), escreve o peregrino no alto. Mas parece que de seu coração acalmado transborde ternura, e ele ainda grava: "Sofonia, vives...": (Sim, Sofrônia, tu viverás!...).
Admirável síntese em que se funde um drama humano e de luto com a expressão apaixonada da fé consoladora: vida além da morte, vida entre os caros, vida perene, vida em Deus.

Enfim, com as relações familiares aparecem nobilitadas as Relações sociais. As sepulturas cristãs ignoram indicações de cargos e honras, habituais nos epitáfios pagãos.

São freqüentes, porém, as indicações, não só de profissões elevadas, como a de Dionísio médico e padre, mas também de ocupações humildes, dos pobres "banausòi", "operáios", desprezados pelos sábios do paganismo. Temos só em São Calisto o hortelão Valério Pardo que traz na mão esquerda um maço de hortaliças e na direita a foice; Márcia Rufina, a digna patroa, a quem Segundo Liberto coloca uma inscrição com o símbolo da oficina: um martelo e a bigorna. Num arcossólio a vendedora de hortaliças senta-se entre seus maços de verdura, etc. A religião do Artífice de Nazaré tinha dignificado o trabalho.

Pode ser útil acrescentar e esses aspectos da espiritualidade ilustrados pelo saudoso estudioso P. Ugo Galizzia, SDB, professor de Exegese do Novo Testamento e de Arqueologia Cristã no Pontifício Ateneu Salesiano de Turim (Itália),um outro aspecto da espiritualidade das catacumbas freqüentemente esquecido, ou seja, a espiritualidade do silêncio.

Espiritualidade do silêncio

FIG 12 Pode parecer estranho falar de espiritualidade do silêncio, porque o silêncio, à primeira vista, é apenas um vazio sem sentido, pura ausência de palavras, pensamentos e sentimentos. Na realidade, o silêncio da palavra, da imaginação e do espírito é uma dimensão humana fundamental: pertence à nossa essência, porque é o vigilante do nosso mundo interior, a condição prévia da escuta, a necessária premissa de toda comunicação humana.

Percorrendo as galerias das catacumbas ou detendo-nos nas criptas, somos imersos numa atmosfera de silêncio, que é contudo apenas o silêncio de um antigo cemitério. Ele, porém, atinge-nos intimamente, porque não é silêncio de morte, de saudade sem esperança de tudo que era caro aos Cristãos durante suas vidas. É silêncio de plenitude, repleto das vozes dos mártires que viveram a nossa vida, e que corajosa e constantemente testemunharam a própria fé não só em tempo de paz religiosa, mas sobretudo nas perseguições.

Este silêncio é cheio de paz, de esperança numa futura vida melhor na luz da ressurreição de Cristo. O silêncio das catacumbas está cheio de história e de mistério; é sagrado, significativo e mais eloqüente do que as próprias palavras; é enriquecedor porque nos leva a refletir sobre a Igreja das origens, o heróico testemunho dos Mártires, como também o testemunho ordinário dos simples cristãos, que não sepultaram a própria fé debaixo da terra, mas viveram-na na vida de cada dia, na família, na sociedade, no trabalho, em cada tarefa ou profissão.

FIG 13 É um silêncio comunicativo, que fala ao coração e à mente dos peregrinos, que lhes revela o mundo desconhecido da Igreja primitiva, com suas classes sociais, sentimentos e afetos; com as penas e as esperanças dos Cristãos sepultados nas catacumbas. Não podemos sufocar esse silêncio, que fala por si mesmo, ou melhor, grita mais imperiosamente. São Gregório Magno falou do "strepitus silentii", do "fragor do silêncio", uma marca que se adapta perfeitamente ao silêncio das catacumbas.

Esta atmosfera de silêncio, evocativa da vida e do sacrifício dos primeiros Cristãos, constitui um lugar privilegiado de meditação espiritual, de revisão de vida, de renovação da fé. O seu testemunho corajoso e fiel interpela-nos pessoalmente. Qual é a "nossa" resposta hoje ao amor de Deus, numa sociedade que talvez não é tão hostil como a deles, mas que é principalmente indiferente aos valores religiosos?
As catacumbas deixam-nos uma mensagem de fé silenciosa, mas clara, tão mais necessária porque a nossa época está doente de rumor, de exterioridade, de superficialidade. Aqui as palavras não são necessárias, porque as catacumbas falam por si mesmas.

Isto é o Cristianismo, em seu grau máximo de simplicidade e de intensidade, incorporado em figuras de mártires, confessores e virgens, que falam das criptas e deambulatórios, das pinturas e lápides consagradas por quase dois milênios de veneração. É justamente esse o caráter de essencialidade elementar, eficaz, inexaurível, que fez das catacumbas romanas uma das metas prediletas da Cristandade peregrina.
Nos passos dos mártires e dos primeiros cristãos, a espiritualidade das catacumbas haverá de ajudar-nos a celebrar o Jubileu com uma verdadeira e profunda renovação da nossa fé para "viver da plenitude da vida em Deus" (Tertio Millennio Adveniente, n. 6).