quarta-feira, 11 de março de 2009

ATAQUE DAS HERESIAS

MARCIÓN

• Abastado armador nascido em Sinope na Ásia Menor, vai a Roma em 139, onde se une a Igreja ali.
• Fazia altas doações à beneficência da Igreja Romana, se torna influente.
• Por causa do problema do sofrimento, adotou um dualismo radical entre o deus deste mundo e o Deus de Misericórdia revelado em Jesus.
• Sofreu a influência de um gnóstico em Roma
• Rejeitava toda a forma de legalismo e judaismo.
• Só Paulo era o apóstolo que entendeu o evangelho
• O Deus do AT é justo, criou o mundo e a lei judaica. Foi hostil a Jesus.
• Os cristão tem que rejeitar o AT
• Cristo mostrou um outro evangelho de amor e misericórdia.
• É necessário adotar o ascetismo, não come carnes, não Ter relações
• Foi excomungado em 144
• Fundou uma Igreja separada.
• Criaram um Cânon: 10 epístolas de Paulo (exceção das pastorais) e o Evangelho de Lucas. Eliminou todas as passagens que relacionassem Jesus com o Deus do AT como seu Pai.
• Separava radicalmente o cristianismo de suas raízes históricas.
• Negava a encarnação real.
• As igrejas desta linha duraram até o século V

MONTANISMO

• No século II tinha-se uma consciência muito forte quanto a importância do Espírito, a promessa do derramamento do seu poder, e uma expectativa do final dos tempos.
• O Montanismo estava imbuído deste espírito, e também reagia fortemente contra a secularização da igreja.
• Combatia o formalismo e a sua dependência de liderança humana e não do Espírito.
• Montano vinha de Ardabau, uma região próxima à Frígia, na Ásia Menor. Havia sido sacerdote de Cibele, antes da conversão.
• Por volta de 156, proclamou-se instrumento passivo, mediante o qual falava o Espírito. Disse que havia terminado a época de Cristo e dado início à dispensação do Espírito.
• Montano se dizia o advogado através de quem o Espírito falava como falou por Paulo.
• Acompanhavam-no duas profetisas: Priscila e Maximila.
• É caracterizado por dar o primeiro lugar a visões e revelações de caráter escatológico.
• Anunciavam o fim do mundo, e que em Pepuza, na Frígia iria ser estabelecida a Nova Jerusalém.
• Diante disto deveria ser praticado o ascetismo, celibato, jejuns, abstinência de carne. Exalta a virgindade.
• Concebeu interpretações fanáticas e equivocadas.
• Houve vários sínodos em 160 condenando o movimento. O Concílio de Constantinopla em 381 os rotulou de pagãos.
• A última das profetizas originais, Maximila, morre em 179.
• Tertuliano, um dos maiores Pais da Igreja, tornou-se montanista em cerca de 200.
• Não foi condenado como heresia, mas sim pelos exageros. Em 381 foi declarado pagão.

GNOSTICISMO - Marcelo FTBC

INTRODUÇÃO


O mundo no qual a fé cristã nasceu era um mundo mágico, as pessoas eram místicas, sinais, visões e milagres eram para elas algo normal. As multidões que se convertiam ao cristianismo não vinham à nova fé livres de bagagem cultural. Esta situação fez com que alguns oferecessem suas próprias interpretações da fé cristã. O espírito sincretista que existia na comunidade por causa do pensamento filosófico de alguns, a obediência às leis dos judeus e a idolatria aos ídolos pagãos, fez com que muitas pessoas buscassem um sistema que de algum modo combinasse todas estas doutrinas, tomando um pouco de cada uma.
De todas as diversas interpretações do cristianismo que apareceram no século segundo, nenhuma foi tão perigosa, nem esteve tão perto de triunfar, como o gnosticismo. Frente à gnose, o jovem cristianismo estava desarmado, pois os hereges gnósticos também se consideravam “ortodoxos”, visto que se baseavam nas escrituras.
A luta contra o gnosticismo foi uma das mais acirradas que a igreja teve que enfrentar em toda a sua história, mas que contribuiu para que a fé cristã fosse conhecida e desenvolvida (através dos polemistas e apologistas)contras heresias contemporâneas.

Capítulo 1
UMA VERSÃO GNÓSTICA


1.1-A Origem do Gnosticismo

É um tanto polêmico a origem do gnosticismo. Alguns eruditos acreditam que este tenha surgido com os povos árabes, outros atestam a sua origem nas filosofias orientais, outros acreditam que ele tenha tido seu inicio no judaísmo. O estudioso do Novo Testamento, Wilhelm Bousset, remontou as origens do gnosticismo às tradições babilônicas e persas, declarando categoricamente que o gnosticismo é um movimento pré-cristão. O filósofo Richard Reitzenstein sem descordar com este ponto, argumenta que o gnosticismo é uma ramificação da antiga religião iraniana, e que foi influenciado por antigas tradições do zoroastrismo.
A maioria dos pesquisadores na área do gnosticismo, afirmam em seus trabalhos que a gnosis é pré-cristã e que já existia no tempo de Paulo e que este a encontrou já existindo nas igrejas.
Elaine Pagels, que escreveu “Os Evangelhos Gnósticos”, diz que a maioria dos estudiosos hoje concorda que o que nós chamamos de gnosticismo foi um movimento muito difundido cujas fontes podem ser encontradas em diversas tradições.
Em uma pesquisa que busca a relação entre o gnosticismo e o cenário religioso da época, Elaine Pagels mostra que o catolicismo foi uma interação entre as formas gnósticas de cristianismo primitivo com as formas ortodoxas.
Podemos dizer que essa grande corrente “O Gnosticismo” pode ser dividida em duas partes: uma popular influenciada pelas antigas religiões, notadamente o Zoroastrismo-1400 Ac, que veio a influenciar o Catolicismo contribuindo com as crenças no céu, no inferno, na ressurreição dos mortos e no juízo final; e outra esotérica, de origem grega pelo Orfismo do VI séc.a.C., e o Neoplatonismo, através de Plotino, entre 204 a.C. e 70 d.C., doutrinas que professavam, entre outros aspectos, a purificação da alma para evitar futuros renascimentos.


1.2-A Filosofia Gnóstica

“Quem sou, de onde vim e para onde vou”.
a) Os gnósticos acreditam que a salvação só pode ser alcançada através do conhecimento. Não apenas conhecimento intelectual, mas o conhecimento do “Eu”, de sua natureza, e de seu destino. Este conhecimento da origem da alma e de sua condição neste mundo serve para ajudar-nos a se libertar-nos de todas as ilusões que compõem o mundo físico, e é esta consciência que a gnose traz para o homem.
b) Conforme os gnósticos acreditam, o mundo material é um calabouço criado pôr um demiurgo(deus inferior e imperfeito), no qual o homem se encontra adormecido pelas ilusões daquilo que ele entende como vida, ou seja, o mundo físico, impedindo o homem de manifestar sua nobre origem. Para os gnósticos, a ignorância é a fonte de todo mal, para se libertar deste mal, o homem precisa tomar posse do conhecimento, que representa o único meio para voltar à sua condição de perfeição.
Uma pergunta que parecia confundir os lideres de diversas seitas era de como Deus em toda a sua perfeição, teria permitido que o mal entrasse em sua criação. Criou-se então o mito da queda. c) Mas os gnósticos acreditam que a queda não aconteceu com Adão e Eva, relato este encontrado em Gênesis, mas que a queda teria se dado antes da criação do mundo, quando o Ser Eterno e gerador de tudo teria produzido emanações conhecidas como Eons, que por sua vez iam produzindo mais eons, distanciado se estes cada vez mais do Pai, e tornando através da ignorância o erro inevitável e criando assim a matéria.
Em relação à qual religião possui a verdadeira revelação, os gnósticos defendem a tese que o mesmo principio alimenta todas as religiões, com ensinos de diversas maneiras, que quando assimilado pelo adepto, leva-o ao mesmo lugar dos demais de diferentes crenças. Assim não haveria problema nenhum em adotar ensinamentos de outras seitas, pois o que importa não é crenças pessoais, mas sim a busca do ensinamento verdadeiro. Para os “Perfeitos”, nome pelo qual eram conhecidos os iniciados, o caminho que leva para a libertação é pessoal, e por isso com características individuais, sendo o sistema apenas o provedor dos ensinamentos básicos, cuja compreensão era essencialmente libertária.


1.3-Divergencias entre Gnósticos e Ortodoxos


O gnosticismo, diferente da Madre Igreja, não oferecia a salvação coletiva através de um messias, pois isto não pode ser oferecido, mas sim conquistado pelo esforço pessoal através da auto-gnose. Para os gnósticos a morte de Jesus na cruz, mostra nos um caminho para a libertação, não a salvação da humanidade. Este foi um dos motivos de divergências entre os cristãos gnósticos e os cristãos ortodoxos, que resultou na expulsão dos gnósticos da igreja, pois os gnósticos acusavam a Igreja de se desviar dos objetivos sagrados em favor de sua própria expansão.
A Igreja Católica, através de seus concílios e ensinamentos do Velho Testamento, foi cada vez mais dominando o cristianismo puro de Jesus e se tornando uma igreja judaica-cristã.
O dogmatismo criado através de uma organização hierarquizada, que se autodenominava representante de Deus na terra, através de seus clérigos, procurou nivelar as consciências, como se o homem fosse um ser não passível de evolução. Enquanto os gnósticos buscavam qualidade, os ortodoxos buscavam quantidade, e os que se rebelassem sofriam punições terríveis, como a “Santa Inquisição”, pois tal organização jamais iria abrir mão da sua representatividade, pois sem ela, provavelmente não teria sobrevivido.
Um outro ensinamento gnóstico que representava perigo para a igreja era sua concepção sobre o Cristo que, para os gnósticos, era um ser espiritual, e não uma pessoa comum dotada de carne e osso, conceito este que foi combatido pela igreja e veria então seu líder ser transformado num mito.
Os gnósticos acreditavam que havia uma verdade oculta(gnóstica)nas palavras de Jesus, apenas compreensível para aqueles que tinham “ouvidos para ouvir”, expressão esta de Jesus para mostrar qualidade especial de certos homens, ou seja, verdadeiros gnósticos, nascidos em condições diferentes dos demais seres humanos.
Segundo os gnósticos os seres humanos não vinham ao mundo em condições básicas de igualdade, eles são divididos em:
Os Hilicos ou materiais - eram aqueles de mentalidade carnal e terrena, ocupados somente com o mundo material.
Os Psíquicos – eram aqueles que viviam pela fé e pelas boas obras, mas que ainda estavam muito presos à ilusão material.
E os Pneumos – eram aqueles portadores da centelha divina e por isso os únicos capazes de entender a gnose e de, através do auto-conhecimento, abandonar a dualidade e alcançar a unidade com Deus. Pode parecer a principio que os pneumos eram privilegiados, mas era deles que se exigia mais, muito mais do que das outras ordens inferiores. “Daquele a quem muito se deu, muito será pedido, e a quem muito se houver confiado, mais será reclamado”(Lucas 12:48).
Um paralelo entre o que acreditavam os cristãos ortodoxos e os gnósticos seguidores de Valentino, um dos lideres moderados da época, e que até pretendia a união entre as duas facções, pretensão esta repudiada por Irineu e outros bispos, deixa mais claros suas diferenças:
Os cristãos ortodoxos: Os gnósticos valentinianos
Uma distancia enorme separa a humanidade de seu criador. Ele é completamente distinto de Sua criação. Negam essa distancia e afirmam que o conhecimento de si mesmo é conhecimento de Deus; o “eu”e o “divino”são idênticos.
Jesus fala em pecado e arrependimento. Jesus fala em ilusão e iluminação.
Jesus é o Senhor e o Filho de Deus, de uma maneira única e singular, permanece eternamente distinto do resto da humanidade que veio salvar. Jesus veio como um guia que abre o acesso para o entendimento espiritual, e quando o discípulo se ilumina, ele deixa de ser seu Mestre, pois ambos se tornam semelhantes.
Seguindo os tradicionais ensinamentos judaicos, todo sofrimento vem do pecado, que teria maculado uma criação originalmente perfeita. É a ignorância e não o pecado que leva uma pessoa a sofrer. A maioria das pessoas vivem na inconsciência. Sem jamais se tornarem cientes de si mesmas, elas não tem raízes. Os que vivem deste modo sofrem “terror, confusão,instabilidade, duvidas e desunião, sendo enredados por muitas ilusões”.
A paixão e a morte de Jesus como um sacrifício que redime a humanidade da culpa e do pecado. E a única chave para abrir o Paraíso é “o nosso próprio sangue”. A crucificação é o momento para descobrirmos a essência divina em nós mesmos. O “Testemunho da Verdade” declara que aquele que se alegra no martírio não sabem “que é o Cristo”. Cristo é um ser espiritual e apenas a sua natureza sofreu.
A ressurreição de Jesus e do cristão. A existência comum é morte espiritual. É necessário receber a ressurreição espiritual enquanto vivem.
Não é permitido a nenhuma mulher falar na igreja, nem é permitido que ensine ou que batize, ou que ofereça eucaristia. A mulher não pode ser padre “porque Nosso Senhor era homem. Entre alguns grupos gnósticos, as mulheres eram consideradas iguais aos homens, algumas ensinavam, outras evangelizavam e curavam.
A fé ortodoxa diz que o ensinamento original dos apóstolos é a norma e o critério, aquilo que se afastar é heresia. Os escritos gnósticos previam que o futuro propicia um aumento interrupto do conhecimento.
Os três evangelhos sinóticos do Novo Testamento, traçam uma biografia da vida de Jesus em ordem cronológica, fazendo dele o Messias esperado pelos judeus. Os gnósticos aceitavam os acontecimentos históricos como secundários, interessavam-se acima de tudo, pelo significado interior dos acontecimentos e parábolas.
Os ortodoxos concebiam o “Reino de Deus” literalmente, como se fosse um lugar especifico. O “Reino” simboliza um elevado estado de consciência.
Clemente diz que Deus delega sua autoridade para reinar a lideres e governantes na terra. Separar-se do bispo é separar-se da igreja e de Deus. Fora dessa igreja não há salvação- “Ela é a entrada para a vida”. Contra essas coisas os gnósticos declaram que, quando um homem se conhecer a si mesmo, e ao Deus que está acima da verdade, ele será salvo.
A autoridade da igreja é incontestável e é a base para a infalibilidade papal. O modelo gnóstico aproxima-se do modelo psicoterapeutico: ambos admitem a necessidade de orientação, como medida provisória apenas. O propósito de aceitar a autoridade é aprender a supera-la, aquele que se torna maduro não precisa mais de uma autoridade exterior.
Concebiam Jesus como Senhor, identificando-o como alguém exterior e superior aos seus discípulos. Quem alcança a gnose torna-se “não mais um cristão, mas um Cristo”. E quem esperava tornar-se Cristo, dificilmente poderia admitir que as estruturas institucionais da igreja, seus bispos e padres, seu credo e cânone, e seus ritos possuíssem a autoridade suprema.
Aquele que confessasse o Credo, aceitasse o ritual do batismo, participasse do culto e obedecesse ao clero, pertencia a igreja. Os gnósticos afirmavam que o que distingue a verdadeira da falsa igreja não é a sua relação com o clero, mas o nível de compreensão dos seus membros e a qualidade das relações que esses mantém entre si, unidos pela amizade e amor fraternal.

Concluindo, o pensamento gnóstico defendia a ampliação do auto-conhecimento, pois esta era a única forma de conhecer Deus. O objetivo final era a volta às origens ou, melhor dizendo, o retorno à Luz que nasce de si mesma. Daí partira o seu portador da fagulha divina, separando-se da Fonte primordial, ao passo que antes era um com Ela. Aprisionado no mundo material, o ser humano somente se libertando desta matéria, poderá ser chamado Filho de Deus, por isso é necessário que o cristianismo se torne esotérico para compensar a perda de sua substancia espiritual na organização institucional, social e dogmática da igreja.

Capítulo 2
A LITERATURA GNÓSTICA


No ano de 367 d.C., o mundo cristão estava em guerra consigo mesmo.Foi nesta época que chegou à comunidade monástica de Tabinnisi, próxima ao Nilo, a ordem para que Teodoro, diretor da comunidade, lê-se a 39a Carta Festal de Athanasius, bispo de Alexandria. Nesta carta ficou definido o esqueleto literário da igreja, com a elaboração do cânon, do qual o escrito que não fizesse parte (apócrifos, ou melhor, dizendo, não autentico)seria considerado como heresia.
Aproximadamente no momento em que se transmitia esta carta de Athanasius, bispo que era conhecido por seu dom de introduzir o ódio e o medo nos não ortodoxos, um grupo de pessoas decidiu enterrar numa vasilha de argila vermelha 13 livros atados com couro que tinham 46 textos diferentes e apócrifos.
Em dezembro de 1945, três filhos de Ali e Umm-Ahmad, do clã al-Samman, Mohammed, Khalifa e Abú al-Majd estavam trabalhando perto de al-Qasr, povoado situado a 6 km de Nag Hammadi, na estrada principal que conduz ao Cairo. O irmão mais novo, Abú, desenterrou a vasilha perto de uma pedra e o irmão Mohammed, dez anos mais velho, assumiu o descobrimento. A principio pensaram que contivesse algum espírito maligno, mas depois quebrando a vasilha perceberam que seu conteúdo dizia a respeito ao povo cristão, com isso se desinteressaram e queimaram alguns, mas outros foram vendidos.
Devido a motivos políticos e religiosos os documentos permaneceram ocultos até o ano de 1977, quando se publicou pela primeira vez a biblioteca de Nag Hammadi.
Se Mohammed Ali fosse capaz de ler copto, a língua do antigo Egito escrito em letras gregas, talvez tivesse atentado para o seguinte parágrafo, mudando quem sabe, o destino dos apócrifos: “Te darei o que nenhum olho jamais viu, o que nenhum ouvido jamais escutou, o que nenhuma mão jamais tocou e o que nunca foi pensado por nenhuma mente humana”

2.1-O Evangelho de Filipe


Foi possivelmente escrito em grego antes do terceiro século. O exemplar encontrado entre os textos da biblioteca de Nag Hammadi é uma tradução para o copto, provavelmente efetuada no quarto século.
Ao contrário dos evangelhos canônicos, o Evangelho de Filipe não contem uma narrativa sistemática da vida e ministério de Jesus em ordem cronológica. Ele segue a linha da tradição oral de relatar, independente do contexto histórico.
Dentre os ditados de Jesus em Filipe, nove são encontrados também, com algumas variações, nos evangelhos canônicos e oito são originais. As linguagens destes ditados são geralmente enigmáticas, por isso sua interpretação requer o conhecimento de simbologia usada pelos grupos gnósticos daquela época.
O que torna o evangelho de Filipe especialmente importante são as inúmeras passagens sobre os sacramentos que teriam sido instituídos por Jesus antes de terem sido adaptados pela igreja. Segundo a tradição esotérica, aqueles sacramentos eram ministrados somente aos discípulos do circulo interno(aos poucos). Apesar do caráter oculto dessas passagens, elas oferecem ao estudioso uma clara indicação dos paralelos que existem entre cinco grandes iniciações, as etapas da vida dos místicos e os sacramentos.

2.1.1- Citações do Evangelho de Filipe


Um hebreu faz outro hebreu, e tal pessoa chama-se prosélito. Mas, um prosélito não faz outro prosélito (...) assim como eles (...) e fazem outros como a si mesmos, enquanto (outros) simplesmente existem.
O escravo só quer ser livre e não ambiciona adquirir os bens de seu senhor. Porem o filho não é somente um filho, pois reclama a herança do pai. Os que herdam dos mortos estão eles mesmos mortos e herdam os mortos. Os herdeiros do que é vivo estão vivos e são herdeiros tanto do que está vivo como do morto. Os mortos não são herdeiros de nada. Pois como pode aquele que está morto herdar? Se aquele que está morto herda o que é vivo ele não morrerá, mas o que está morto viverá ainda mais.(pág 141)
Cristo veio para resgatar alguns, salvar outros e para redimir ainda outros. Ele resgatou os forasteiros e fê-los seu. E colocou os seus separados, aqueles que havia dado como garantia segundo seu plano. Não foi só quando apareceu que Cristo ofereceu voluntariamente sua vida, mas ofereceu-a voluntariamente desde o dia em que o mundo surgiu. Então, ele veio primeiro para toma-la, pois ela havia sido dada como garantia. Ela havia caído em mãos de ladrões e foi feita prisioneira. Mas Ele a libertou, resgatando as pessoas boas do mundo assim como as más.
Alguns dizem que Maria concebeu por obra do Espírito Santo. Mas eles estão enganados. Não sabem o que dizem. Quando uma mulher alguma vez concebeu por obra de outra mulher? Maria é a virgem que nenhum poder conspurcou. Ela é uma grande anátema para os hebreus, que são os apóstolos e (os) seus seguidores. Esta virgem que nenhum poder violou (...) os poderes violaram a si mesmos. O Senhor não (teria) dito “Meu (Pai que está nos) céus”(Mt 16:17) se não tivesse outro pai. Neste caso, teria dito simplesmente “(Meu Pai)”.(pág 142)

2.2-O Evangelho de Tomé


Foi escrito em meados do primeiro século, portanto ele é um dos documentos mais antigos de nossa tradição cristã, já que os quatro Evangelhos incluídos na Bíblia foram escritos provavelmente entre os anos de 80 e 120 de nossa era.
Os estudiosos acreditam que as versões dos ditados de Jesus encontradas em Tomé seriam, em geral, versões mais originais do que a dos evangelhos canônicos, que teriam sofrido modificações dos copistas ao longo dos séculos.
Sua autoria é atribuída a Tomé, que é chamado de “irmão gêmeo” de Jesus, por ser um discípulo que teria alcançado um estado de realização interior que o tornava um gêmeo espiritual do Salvador.
O estudo meditativo dos ensinamentos de Jesus contidos no Evangelho de Tomé pode ser altamente revelador para todo cristão desejoso de conhecer os ensinamentos esotéricos do Mestre.

2.2.1-Citações do Evangelho de Tomé


(126)(1)Estes são os ensinamentos (logia) ocultos expostos por Jesus, o vivo, que Judas Tomé, o gêmeo, escreveu.
(1) E ele disse: “Quem descobrir o significado interior destes ensinamentos não provará a morte”.
(2) Jesus disse: “Aquele que busca continue buscando até encontrar. Quando encontrar, ele se perturbará. Ao se perturbar, ficará maravilhado e reinará sobre o Todo”.
(5) Jesus disse: “Reconheça o que está diante de teus olhos, e o que está oculto a ti será desvelado, pois não há nada oculto que não venha ser manifestado”.
(13) Jesus disse a seus discípulos: “Comparai-me com alguém e dizei-me com quem me assemelho”.
Simão Pedro disse-lhe: “Tu és semelhante a um anjo justo”.
Mateus lhe disse: “Tu te assemelhas a um filósofo sábio”.
Tomé lhe disse: “Mestre, minha boca é inteiramente incapaz de dizer com quem te assemelhas”.
Jesus disse: “Não sou teu Mestre. Porque bebeste na fonte borbulhante que fiz brotar, tornaste-te ébrio. (128) E, pegando-o retirou-se e disse lhe três coisas. Quando Tomé retornou a seus companheiros, eles lhe perguntaram: “O que te disse Jesus?
Tomé respondeu: “Se eu vos disser uma só das coisas que ele me disse, apanhareis pedras e as atirareis em mim, e um fogo brotará das pedras e vos queimará”.
(15) Jesus disse: “Quando virdes àquele que não foi nascido de uma mulher, prostrai-vos com a face no chão e adorai-o: é ele o vosso Pai”.
(16) Jesus disse: “Talvez os homens pensem que vim lançar a paz sobre o mundo. Não sabem que é a discórdia que vim espalhar sobre a Terra: fogo, espada e disputa. Com efeito, havendo cinco numa casa, três estarão contra dois e dois contra três: o pai contra o filho e o filho contra o pai. E eles permanecerão solitários”.


Capítulo 3
UMA VERSÃO CRISTÃ SOBRE O GNOSTICISMO


3.1-Origem

É difícil estabelecer a origem do gnosticismo devido ao sincretismo das religiões que o compõe.
A tradição cristã associou a origem do gnosticismo com Simão Mago, aquele que havia revolucionado toda a cidade de Samaria com suas mágicas e trambiques, e impressionava tanto o povo, que este julgava como sendo o poder de Deus(At.8:9-24). A pós o arrependimento deste por ter tentado comprar o poder de conferir o Espírito Santo, não se fala mais nele nas escrituras, contudo, livros posteriores do primeiro século, falam dele sendo adorado como o deus supremo.
Ao lado deste deus supremo, os fiéis honravam uma deusa, Helena. Ela seria a primeira emanação da mente de Simão, da qual foram gerados anjos e poderes. Entre a relação de Simão com o gnosticismo não existe nada de concreto, o que se sabe é que ouve muitos tipos de gnose, embora seja mais correto que a sua origem seja na religião de Zoroastro, ela continha elementos da astrologia babilônica, uma visão dualista do universo, de origem persa, e uma doutrina de emanações de Deus, de raiz egípcia.
Embora pouco se saiba sua origem, o gnosticismo chegou ao seu momento de maior influencia por volta do ano 150 da era cristã.


3.2-Doutrina


O termo “gnosticismo” vem da palavra grega “gnosis”, que quer dizer “conhecimento”.
A gnose não é uma corrente filosófica, mas uma doutrina de salvação, que se baseia em revelações “pneumáticas” espirituais.
Apesar do sincretismo que faz parte da sua doutrina, o gnosticismo tem em comum o dualismo da matéria e do espírito como oposição eterna.
O gnosticismo surgiu do desejo humano de criar uma teodicéia, isto é, uma explicação para a origem do mal.
Dois problemas preocupavam os gnósticos: a criação e o mal. Se Deus é bom, como criou o mundo de onde vem o mal? Se não criou o mal, não é o criador único das coisas. Assim, as principais questões que a gnose pretendia resolver eram: De onde procede o mal do mundo? Como se originou a matéria? Como se unem, no homem, matéria e espírito? Como se liberta o espírito da matéria e volta para Deus?
Os gnósticos afirmam que originalmente toda a realidade era espiritual. O ser supremo não tinha intenção alguma de criar um mundo material, mas apenas um mundo espiritual. Com esse propósito foram criados vários seres espirituais. Cada mestre gnóstico oferecia uma lista distinta de tais seres, e alguns chegavam ate 365 seres distintos. Em todo caso, um destes seres espirituais, distante do ser supremo, foi o causador deste mundo. Segundo eles, um ser espiritual chamado Sofia ou Sabedoria quis produzir algo por si só, e o resultado foi um “aborto”. Dizem eles que este é o nosso mundo: um aborto do espírito, e não uma criação de Deus. Para responder estas questões os gnósticos criaram um sistema complicadíssimo que diz existir um reino de luz, que é o Deus bom(Pleroma) e o das trevas que é o da Matéria eterna. Entre estes dois há um numero incalculável de graduações, que chamam de Eões. A união dos Eões formava o Pleroma ou plenitude da inteligência. Estas emanações eram seres com pouco espírito e muita matéria. O demiurgo, como uma destas emanações, tinha bastante espírito em si para ter um poder criativo e o bastante da matéria para criar o mundo material. Os gnósticos identificavam o demiurgo com o Javé do Velho Testamento.
Usando este sistema, os gnósticos fazem de Cristo um Eão superior enviado por Deus para revelar aos homens o Deus supremo e verdadeiro até então desconhecido e lhes ensinar como se libertar da matéria. Esse Eão apoderou-se de Jesus no momento em que ele foi batizado no Jordão, daí em diante sua mente se iluminou e ele compreendeu que sua missão era levar aos homens a verdadeira gnose, ou seja, o conhecimento que é o Evangelho, para libertar os homens da matéria(redenção) e voltarem à plenitude do Deus-Pleroma.
Os gnósticos dizem haver categorias entre os homens que se dividem em três: os hílicos são os pagãos, os materiais. Estes serão eliminados com a matéria; os psíquicos ou anímicos, são os cristãos ordinários, em quem a matéria e o espírito estão equilibrados mais ou menos. Estes gozarão uma felicidade limitada; e os espirituais ou gnósticos, os instruídos, em quem a matéria é dominada totalmente pelo espírito de Deus. Só este homem gnóstico recebe a salvação, pois ele tem em si mesmo a centelha divina originária que é despertada através de um processo de conhecimento, através do qual a alma do gnóstico toma consciência da sua verdadeira natureza.
Afastando assim o Deus supremo do contato com a matéria, eles não admitem que o espírito divino se una à matéria, negando toda a possibilidade de encarnação. Por isso, Jesus é para eles, o homem celeste. Que o filho de Deus tenha se feito carne, tenha sofrido, morrido na cruz, é loucura e absurdo para eles, e totalmente escandaloso a idéia que Deus tivesse se tornado semelhante a nós.
Para interpretar Cristo, eles adotaram a doutrina conhecida como Docetismo. A palavra veio de um termo grego, dokeo, que significa parecer. Como a matéria era má, Cristo não podia ter um corpo humano apesar de a Bíblia dizer ao contrario. Como bem espiritual absoluto, Cristo não se misturava com a matéria. O homem Jesus era ou um fantasma com a aparência de corpo material(docetismo) ou Cristo tomou o corpo humano de Jesus apenas por pouco tempo, entre o batismo do homem Jesus e o começo de seu sofrimento na cruz. Cristo deixou, pois, o homem Jesus morrer na cruz. Negavam assim as principais doutrinas cristãs: a criação, a encarnação, a ressurreição, etc.
Capítulo 4
COMBATENDO O GNOSTICISMO


4.1-Advertências dos Apóstolos contra a doutrina gnóstica

Os escritos mais tardes introduzidos no cânon do Novo Testamento, contem advertências claras contra a doutrina gnóstica que estava se infiltrando dentro da igreja.
Os escritos de Paulo usa certos jargões gnósticos como: conhecimento e pleno conhecimento, e o contraste violento entre carne e espírito(Rm.8:22-25)o conceito de Cristo como vitorioso sobre principados e potestades que são os dominadores deste mundo tenebroso(Col.1:16;2:15;Ef.6:12), e a idéia do Cristo como “Homem do Céu”(1Cor.15:47), fizeram de Paulo o principal apóstolo dos gnósticos.
É usando estas próprias palavras(gnósticas) é que Paulo adverte a comunidade, principalmente a igreja da Ásia Menor, para não se deixar cativar por esta doutrina gnóstica, e contra este grupo de pessoas ele se dirige em 1Cor.1:20-27: “Onde está o sábio? Onde está o homem culto? Onde está o argumentador deste mundo? Por acaso, Deus não tornou louca a sabedoria deste mundo? De fato, quando Deus mostrou a sua sabedoria, o mundo não reconheceu a Deus através da sabedoria. Os judeus pedem sinais e os gregos procuram a sabedoria; nós, porém, anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos(...). A loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens(...). Mas, Deus escolheu o que é loucura no mundo, para confundir os sábios; e Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é forte”.
Contra a doutrina gnóstica os apóstolos escreveram sobre aqueles que negam a ressurreição(1Cor.15:12), alguns que se entregam a especulações ambiciosas e se comprazem em genealogias fantásticas(Tito 3:9), em fábulas hábilmente inventadas(2 Pedro 1:16), e aqueles que negam a encarnação(1Joao 4:2-3). E 2Jo.7 afirma: “Porque muitos sedutores, que não reconhecem Jesus como Messias encarnado, espalharam-se pelo mundo”; “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”(Jo 1:14), “O que era desde o principio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida(1Jo.1:1), todos estes escritores combateram a negação que os gnósticos faziam da encarnação.


4.2-Os bispos combatem as heresias gnósticas

Foi no final do primeiro século em diante que o gnosticismo atingiu o seu ápice, a partir daí, foi travada uma verdadeira batalha que duraria até o final do século segundo.
Os bispos da Ásia Menor lutam contra esta heresia que estava tomando espaço dentro da igreja, a começar por Inácio de Antioquia que defendeu a eficácia e a consistência da encarnação: “um só médico, carne e espírito, gerado e não gerado, Deus feito carne, Vida verdadeira no seio da morte, nascido de Maria e nascido de Deus, passível e impassível, Jesus Cristo, nosso Senhor”.(Carta aos Efésios, VII). Para desviar de vez os fieis da influencia gnóstica, advertia: “Torna-te surdo quando te falam de um Jesus Cristo fora daquele que foi da família de Davi, filho de Maria, nasceu autenticamente, comeu, bebeu, padeceu verdadeiramente sob o poder de Poncio Pilatos, foi crucificado e morreu verdadeiramente(...) De que me valeria estar em cadeias, se Cristo sofre somente na aparência, como certos pretendem? Esses, sim, não passam de meras aparências”(Cartas aos Tralianos, IX-X).
Orígenes, no tratado Contra Celso, indica fontes para se conhecer melhor a gnose. Tertuliano, por sua vez, não se cansa de dar combate aos gnósticos dizendo que os hereges não tem direito de entrar em discussão com os ortodoxos, e que as Escrituras são propriedade da igreja, e por isso os hereges não tem direito algum de usá-las. Contra eles Tertuliano escreveu: A prescrição dos heréticos, Contra Marcião, Contra os valentinianos, Contra Hermógenes.
Irineu de Lyon conhecido como polemista anti-gnóstico, combateu a gnose de um modo global, em sua volumosa obra “Contra as Heresias”. O livro I, que é fundamentalmente histórico, é a melhor fonte de informação sobre os ensinos dos gnósticos. Era uma polemica filosófica contra Valentino, o principal representante do gnosticismo. No livro II, ele insiste na unidade de Deus em oposição a idéia gnóstica de existência de um demiurgo distinto de Deus.
Irineu, em uma das sua obras, diz respeito a Saturnino que viveu por volta do ano 120.
“Saturnino era antioquiano. Pensava...que há um Pai absolutamente desconhecido que fez anjos, arcanjos, virtudes e potestades; o mundo, porém, e tudo quanto nele existe, foi feito por anjos em numero de sete(...). O salvador, conforme Saturnino, não nasceu, não teve corpo nem forma, mas foi visto em forma humana, apenas em aparência.(...)Cristo veio para aniquilar o Deus dos judeus e para salvar os que nele mesmo acreditassem(...)o salvador veio para destruir os demônios e os perversos, salvando os bons. Mas, ainda segundo Saturnino, casar-se e procriar filhos é obra de Satanás”.
Outro texto de Irineu, fala de Basilides, que viveu por volta de 130. Seus ensinos foram divulgados por seu discípulo Valentino. Irineu disse a respeito de Basilides: “Basilides ensina também que a salvação só concerne à alma, pois o corpo é naturalmente corruptível. As profecias em si mesmas provieram dos príncipes que fizeram o mundo. A lei foi dada pelo príncipe que tirou os israelitas da terra do Egito. Basilides prescreveu ainda a perfeita indiferença para com as coisas imoladas aos ídolos, permitindo que as usemos sem temor; igualmente quer que consideremos como matéria absolutamente inocente as sensualidades de toda classe”.
E a respeito do gnóstico Cerinto, que viveu no final do primeiro século, Irineu afirmou: “...pensou que o mundo foi feito não pelo Deus Supremo, mas por alguma Virtude muito afastada e separada do príncipe que esta acima de todas as coisas e cuja sabedoria absoluta é reconhecida por tal Virtude. Acrescenta que Jesus não nasceu de virgem, mas que foi filho de José e Maria, à maneira comum, embora seja superior aos demais em justiça, prudência e sabedoria. Após o batismo de Jesus, Cristo desceu sobre ele em forma de pomba, procedendo do Príncipe que está sobre todas as coisas. Depois disso Jesus revelou o Pai incógnito, realizando atos de poder. No fim, porem, Cristo retirou-se, deixando Jesus abandonado: o homem Jesus sofreu sozinho e ressuscitou; porém, Cristo permaneceu impassível como convinha à sua natureza espiritual”.


Conclusão

O gnosticismo, embora não tenha surgido na era cristã, foi nela que alcançou seu maior progresso.
Com a expectativa de tentar explicar a origem do mal, eles acabaram por negar todos os ensinamentos de Cristo,
Com sua visão dualista, eles negaram a encarnação de Deus, afirmando que Jesus não poderia ter corpo humano pois a matéria é má.
Embora pouco se fale hoje sobre gnosticismo, eles apresentaram grande perigo aos pais da igreja com a doutrina que absorvia também os ensinamentos de outras religiões.
Mas os apóstolos e posteriormente os bispos resistiram firmes a tais lideres gnósticos, que queriam que sua doutrina fosse introduzida na igreja.
Para se defender de tais heresias se levantaram grandes homens que, baseados na palavra de Deus, provaram que o cristianismo autentico é aquele que aceita que Jesus veio em carne, nascido de mulher, que morreu, ressuscitou e voltará para buscar sua igreja, que prega a verdade revelada por Ele através da Bíblia.

Participação Feminina no Movimento Cristão Primitivo: Um resgate

Silvia Márcia Alves Siqueira
UNESP - Câmpus de Assis

Esta comunicação tem por objetivo demonstrar a participação feminina no Movimento Cristão Primitivo. A justificativa para tal proposta está embasada nas amplas discussões em relação à atuação de agentes anônimos na História, ressente-se a necessidade de destacar determinados personagens que participaram ativamente do movimento de formação do cristianismo, como é o caso do papel das mulheres. Resgatar a atuação de agentes femininos traz-nos a possibilidade de compreender mais ainda a história de homens e mulheres que atuaram em um movimento fecundo que, posteriormente, seria a Cristandade Ocidental e, ainda, de restituir as histórias de mulheres à História Cristã Primitiva.

Para que tal apresentação não seja inadequada, é necessário ter alguns cuidados, à medida que a reconstrução de aspectos culturais de um determinado período histórico - particularmente no que se refere à Antigüidade - é uma tarefa árdua e exige evitar anacronismos. Não podemos voltar a nossa atenção para o período referenciado pela mulher moderna, pois a mentalidade no período de formação do cristianismo era, com certeza, completamente diferente dos dias atuais, e o contexto sócio-econômico e cultural do período foi diverso do atual.

As culturas grega, romana e judia apresentavam as mulheres de forma diferenciada, com estatutos próprios. As mulheres do Oriente, dentre as quais a mulher palestina, no início do I séc., viviam de maneira retirada, afastadas da esfera pública e deviam exercer as virtudes do ideal de uma vida reclusa no interior da casa, ser uma boa esposa, mãe exemplar para os filhos, dona de casa hábil e prendada. Escapavam desse ideal as princesas e, particularmente, as mulheres ligadas ao campo. Com esse papel para cumprir, a mulher esteve impossibilitada de participar da vida religiosa plenamente. Elas foram dispensadas dos preceitos religiosos positivos ligados aos momentos de oração e estudo. Seu papel restringia-se à esfera doméstica e familiar e deviam cuidar da pureza em matéria alimentar e sexual, seu papel religioso estava circunscrito a cozer os pães e acender as luzes nas festas religiosas (Alexandre,1990).

A sociedade hebraica teve uma longa história de organização patriarcal. Entre os judeus, a mulher era afastada da vida pública, sendo-lhe negado o sacerdócio e, excluída da circulação de bens, não podia herdá-los nem possuí-los. A questão da reprodução tanto biológica quanto social no seio da comunidade, os papéis sociais tradicionais femininos, impostos por seu corpo e suas funções, destacavam-se em um primeiro momento.

Percebe-se que o papel das mulheres judias foi estruturado inicialmente nas funções dentro da família - esposa e mãe -, com a difícil tarefa de zelar pela pureza e santidade do lar, mas de uma maneira ou de outra, também, exerceram um papel marginal em relação às suas crenças no seio da comunidade. Talvez não fosse fácil, conforme Chouraqui (199, p.146), representar o papel de boa esposa e boa mãe no seio de um casamento poligâmico, em uma família que poderia incluir até dezenas de pessoas. Por outro lado, apesar das proibições, existiram mulheres hebréias que eram feiticeiras, adivinhas e praticavam necromancia (evocavam os mortos). Muitas delas cultuavam deusas associadas às liturgias cananéias. Em estudos de inscrições tumulares efetuados por Bernadette Brooten (Alexandre, 1990, p.522), foram encontradas menções a mulheres designadas como chefes de sinagogas, dirigentes, anciãs, mães da sinagoga, ou até sacerdotisas. Portanto, verifica-se uma substancial presença das mulheres judaicas nos movimentos religiosos.

A visão da mulher no Novo Testamento refletiu a influência do cristianismo como também da comunidade judia. Nos Evangelhos, aparecem muitas mulheres anônimas. Jesus ensinou, ocasionalmente, utilizando exemplos femininos: uma mulher perde uma moeda e a procura (Lc.15,8); duas mulheres estarão moendo grãos em um moinho (17,35).

Encontram-se nos Evangelhos mulheres que brilharam no "movimento de Jesus": profetizas, mártires, diaconisas, virgens, renunciantes, monjas, enfim, grupos heterogêneos. Por exemplo, as duas figuras femininas que se destacam em relação a Jesus foram: Maria, mãe dele e, Maria Madalena tiveram destaque dentre tantas outras figuras femininas que alimentarão a piedade mariana, sustentarão o ideal de virgindade, e constituirão as imagens femininas para a futura iconografia cristã.

Além disso, parece que Jesus teve uma posição diferente e mais "liberal", com as mulheres em relação ao rigor do judaísmo do período. Ele visitou Marta e Maria, conversou com uma Samaritana, uma estrangeira e, com isso, transpôs uma forte barreira de costumes judaicos. A subversão da hierarquia tradicional operou-se em proveito de mulheres excluídas[2] (prostitutas, mulheres adúlteras, viúvas). Uma grande lista dos mais variados tipos de mulheres apareceu seguindo Jesus pela Galiléia sem se aterem às regras que cerceavam o seu espaço da época. Os Evangelhos assinalaram a fidelidade da presença delas, presentes no sepultamento de Jesus, preparando os aromas e perfumes para ungir o cadáver conforme a tradição judaica. Segundo os Evangelhos, contrariando a tradição judaica, foram as testemunhas da ressurreição e encarregadas de anunciá-la aos discípulos. Maria Madalena aparece várias vezes nesse cenário em Mateus (27,56), Marcos (15,40-41) e Jo (19,25-27).

Fiorenza (1992, p.173) também menciona as mulheres que seguiram Jesus e defende a idéia de que elas tiveram um papel relevante no movimento de Jesus. Para ela, esse movimento histórico possuiu uma alta significação para os primórdios do cristianismo, sendo responsáveis pela sua expansão.

Parece que, após a morte de Jesus, com a missão apostólica, inicia-se também uma hierarquização lenta e longa de papéis na tradição-cristã. No entanto, Alexandre (1990) e Fiorenza (1992) concordam que as mulheres foram instrumentos para continuar o movimento iniciado por Jesus e que lá estiveram envolvidas na expansão desse em direção aos gentios das regiões adjacentes.

Nas mensagens apostólicas paulinas, encontravam-se menção a várias mulheres. As referências às mulheres que apareceram na literatura paulina e pós-paulinas, indicam que foram patronas ricas do movimento missionário cristão e que ocuparam lugares elevados no trabalho de evangelização. Eram mulheres das comunidades cristãs da Galácia, de Jerusalém e de Antioquia (Fiorenza,1992, p.193). A primeira missão cristã foi repleta de conversões e ações de mulheres.

A casa era um dos lugares de reunião dos grupos paulinos constituía-se em um conjunto social abrangente. As casas eram bastante grandes, com várias unidades e vários andares, não eram ocupadas apenas pela família, mas nela incluíam-se também parentes próximos, escravos, libertos, trabalhadores contratados e, algumas vezes, atendentes e parceiros no comércio ou na profissão (Meeks, 1992, p.122). Além do espaço da casa para as reuniões, era muito comum a associação voluntária em agregações, agremiações e associações[3]. Os grupos cristãos, muitas vezes, eram comparados a essas associações, pois havia afinidade entre os grupos paulinos e elas.

Além das reuniões dos prosélitos cristãos nas casas, o cristianismo no Mediterrâneo Ocidental foi espalhado por missionários ambulantes que viajaram muito. O modelo do movimento missionário cristão contou com elementos institucionais constituídos, de um lado, pelos agentes missionários e, de outro, pelas igrejas domésticas e pelas associações locais. Os elementos organizacionais do movimento se basearam em propagandas religiosas e o sistema de patrocínio recíproco da sociedade greco-romana.

Admite-se a grande influência de mulheres ricas e de status social elevado tanto no movimento cristão quanto no judaico. A julgar pelo que consta em Atos (18,17), os líderes do movimento cristão eram judeus, tanto homens quanto mulheres, como foram os casos de Priscila e Áquila. Esses membros vinham de camadas sociais do judaísmo helenístico com poder aquisitivo considerável. Homens e mulheres ricos foram patronos no movimento cristão primitivo. Embora a sociedade da época fosse organizada de maneira que a posição da mulher fosse submissa, ela podia ficar rica por herança ou por investimento. Como podem ser os casos das mulheres que aparecem no Novo Testamento: a mãe de Marcos, em At 12,12; Lídia, em At 16,14 e 40; Priscila, em At 18, 2-3, Rm 16,3-4, 1 Cor 16,19; Febe em Rm 16,1-2; a mãe de Rufo em Rm 16,13; e Cloé em 1Cor 1,11. O movimento missionário cristão, visto sob o prisma de estruturas organizacionais, possibilita a visualização das ações de mulheres também na liderança. As mulheres foram líderes tanto de mobilidade quanto de patrocínio. Ou seja, como missionárias ambulantes e em suas casas como local de reuniões - igrejas domésticas (Fiorenza, 1992, p. 210).

As viagens de Paulo pela Síria, Chipre, Ásia Menor, Macedônia e Grécia foram marcadas por conversões em particular de mulheres. Nos Atos dos Apóstolos, constam várias passagens de conversões femininas e também masculinas: em Éfeso, Priscila e Áquila (1Cor 16,19) e Lídia (At 16,13-15); em Roma, Epêneto e Maria (Rm 16,5); em Laodicéia, Ninfa (Col 4,15). Quanto a Lídia, pode tratar-se de uma liberta comerciante de produtos de luxo que tinha autonomia, autoridade material e espiritual, e que exerceu, em sua casa, a hospitalidade, fundamental nessas itinerâncias das primeiras missões cristãs. Em Tessalônica, a pregação na sinagoga congregou homens e mulheres de primeira categoria. Em Atenas, Damaris (At 17,12) e os simpatizantes do judaísmo sentiam-se tocados pelas pregações de Paulo. Em Corinto, Paulo encontrou Áquila e sua mulher Priscila (At 17,25), um casal que parecia ser abastado e bem familiarizado com os caminhos do Oriente e do Ocidente. Na casa deles, em Éfeso, reuniu-se uma assembléia. Paulo, no final de sua "Epístola aos Romanos", colocou Priscila e Áquila em igualdade (At 18,2-3). Na longa lista de recomendações e saudações que finaliza a "Epístola aos Romanos", aparecem muitas pessoas, dentre elas muitas mulheres. Ela permite entrever seus papéis, diversos, mas sem subordinação marcada (Rm 16,3-5). Paulo referiu-se a mulheres que assumiram responsabilidades na missão evangelizadora (1Cor 9,5).

As referências paulinas em relação às mulheres missionárias não mencionaram seu status social e papéis sexuais, não indicando se eram viúvas ou virgens. As cartas Paulinas falam das mulheres como suas cooperadoras, falam também que algumas delas trabalharam em pé de igualdade com ele, como é o caso de Evódia e Síntique. As verdadeiras cartas de Paulo dão à mulher títulos missionários e caracterizações como cooperador (Prisca), irmão/irmã (Ápia), diákonos (Febe) recomendada como mestre e missionária oficial na igreja de Cencréia, e como apóstolo (Júnia). Além disso, algumas evidências apontam para um aspecto novo: a parceria e a missão de casais parecem ter sido a regra no movimento missionário cristão, e não a atividade missionária individual.

Aceitando a visão bíblica de subordinação da mulher, os escritores do Novo Testamento acentuaram o dever de modéstia, submissão e devoção. Contudo, na prática, constatamos a influência da mulher sobre a vida da comunidade cristã . Alexandre (1990, pp.511-63) faz uma exposição sobre os discursos e as imagens das mulheres existentes nos textos fundadores da tradição cristã. Para a autora, o poder das mulheres, desde as origens até a vitória do cristianismo deveu-se à sua fé e à facilidade de comunicação. Mais facilmente libertas dos constrangimentos políticos e sociais, das tradições religiosas e culturais da cidade antiga, as mulheres pareciam estar adiante dos homens da sua família. A sua influência doméstica contribuiu para a conversão dos seus parentes e desempenhou um papel essencial na transmissão da fé. Para os pagãos, era esse poder de subversão que tornava as mulheres pobres de espírito.

BIBLIOGRAFIA:

ALEXANDRE, M. Do Anúncio do Reino à Igreja - papéis, ministérios, poderes femininos. In PERROT, Michelle e DUBY, Georges. História das Mulheres no Ocidente -1- A Antigüidade. Trad. Maria Helena C. Coelho e Alberto Couto. Porto : Edições Afrontamento, 1990. P. 511-563.
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. Publicada sob a direção da “Ecole Biblique de Jerusalém”. Edições paulinas: São Paulo. 1985.
CHOURAQUI,A. Os homens da Bíblia. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras: círculo do livro, 1990.
FIORENZA, E.S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. Trad João Rezende Costa. São Paulo: Edições Paulinas, 1992.
MEEKS, W. A. Os primeiros cristãos urbanos: o mundo social do apóstolo Paulo. Trad. I.F.L. Ferreira. São Paulo: Edições Paulinas, 1992.
PERROT,M. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Trad. Denise Bottman. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1988.
PERROT,M. e DUBY,G.(org) História das Mulheres no Ocidente - A Antigüidade. Trad. Maria Helena C. Coelho e Alberto Couto. Porto :Edições Afrontamento, 1990.

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[1] - Doutoranda em História da UNESP-Assis. Docente das Faculdades Unificadas São Luís em Jaboticabal- SP -
[2] - No sentido que Michele Perrot utiliza em sua obra "Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros".
[3] - As pessoas organizavam-se em variadas formas de associações voluntárias com fins sociais, que podiam ser festas, reuniões religiosas para oferecer sacrifícios a algum deus. Cada grupo podia definir o seu tamanho e as qualificações para pertencer ao grupo, e também podiam escolher um deus para presidir as reuniões e receber sacrifícios em seus banquetes. Nas cidades romanas, esses grupos eram conhecidos como collegia. Existiram três tipos de collegia : Os collegia composto por comerciantes tais como donos de navios, transportadores, donos de armazéns, padeiros, comerciantes de víveres, carpinteiros. Os collegia sodalicia eram grupos que se dedicavam à adoração de deuses específicos e foram constituídos por estrangeiros que se reuniam para venerar os deuses de sua terra natal. O terceiro tipo era os collegia tenuiorum, composto por pessoas sem condições financeiras e seu objetivo era permitir à pessoa um funeral decente. Para isso, cada membro era obrigado a pagar pequenas taxas mensais de pertença. Era também uma forma de contato social já que tinham reuniões regulares (Stambaugh e Balch, 1996, p.114-5).

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AINDA SOBRE PERSEGUIÇÕES

APROFUNDAMENTOS E PESQUISAS
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2. AS PERSEGUIÇÕES CONTRA OS CRISTÃOS

Teresio Bosco

Uma superstição nova e maléfica

A primeira tomada de posição do Estado Romano contra os Cristãos remonta ao imperador Cláudio (41-54 d.C). Os historiadores Suetônio e Dione Cássio referem que Cláudio mandou expulsar os judeus porque estavam continuamente em litígio entre si por causa de um certo Chrestos. «Estaríamos diante das primeiras reações provocadas pela mensagem cristã na comunidade de Roma», comenta Karl Baus.
O historiador Gaio Suetônio Tranquilo (70-140 c.), funcionário imperial de alto nível sob Trajano e Adriano, intelectual e conselheiro do imperador, justificará a decisão e as sucessivas intervenções do Estado contra os Cristãos definindo-os como «superstição nova e maléfica»; palavras muito pesadas. Como superstição, o cristianismo é relacionado com as mágicas. Para os romanos ela é aquele conjunto de práticas irracionais que magos e feiticeiros de personalidade sinistra usam para enganar a gente ignorante, sem educação filosófica.
Magia é o irracional contra o racional, o conhecimento vulgar contra o conhecimento filosófico. A acusação de magia (como também de loucura) é uma arma com que o Estado Romano timbra e submete ao controle os novos e duvidosos componentes da sociedade como o cristianismo.
Com a palavra maléfica (= portadora de males) é encorajada a obtusa suspeita do povinho que imagina essa novidade (como qualquer novidade) impregnada dos delitos mais inomináveis e, portanto, causa dos males que de vez em quando se desencadeiam inexplicavelmente, da peste aos aluviões, da carestia à invasão dos bárbaros.

Corpo aberto mas etnia fechada e desconfiada

O Império Romano é (e manifestar-se-á especialmente nas perseguições contra os Cristãos) como um grande campo aberto, disposto a assimilar qualquer novo povo que abandone a própria identidade, mas também uma etnia fechada e desconfiada. Com a palavra etnia, grupo étnico (éthnos em grego) indicamos um agregado social que se distingue pela língua e cultura, desconfiada em relação a qualquer outra etnia.
Roma, com sua organização social de livres com todos os direitos e escravos sem qualquer direito, de patrícios ricos e de plebeus miseráveis, de centro explorador e periferia explorada, vive persuadida de ter realizado o sonho de Alexandre Magno: fazer a unidade da humanidade, fazer de cada homem livre um cidadão do mundo, e do império uma "assembléia universal" (oikuméne) que coincide com a "civilização humana".
Quem quiser viver fora dela, manter a própria identidade para não se confundir com ela, é excluído da civilização humana. Roma tinha um grande temor dos "estrangeiros", dos "diferentes" que poderiam pôr em discussão a sua segurança. E assim como estabeleceu a "concórdia universal" com a feroz eficiência de suas legiões, entende mantê-la também a golpes de espada, crucifixões, condenações aos trabalhos forçados, exílios. Numa palavra: Roma usa a "limpeza étnica" como método para tutelar a própria tranqüila segurança de ser "o mundo civil".

Nero e os Cristãos vistos pelo intelectual Tácito

Um incêndio devastou 10 dos 14 bairros de Roma no ano 65. O imperador Nero, acusado pelo povo de ser o seu autor, lançou a culpa sobre os Cristãos. Inicia, assim, a primeira grande perseguição que durará até 68 e verá perecer, entre outros, os apóstolos Pedro e Paulo.
O grande historiador Tácito Cornélio (54-120), senador e cônsul, descreverá esse acontecimento em seus "Anais", escrito no tempo de Trajano. Ele acusa Nero de ter injustamente culpado os Cristãos, mas declara-se convencido de que eles merecem as mais severas punições porque a sua superstição os leva a cometer infâmias. Não compartilha nem mesmo daa compaixão que muitos experimentaram ao vê-los torturados. Eis a célebre página de Tácito:
«Para acabar logo com as vozes públicas, Nero inventou os culpados, e submeteu a refinadíssimas penas aqueles que o povo chamava de cristãos, e que eram mal vistos pelas suas infâmias. O nome deles provinha de Cristo, que sob o reinado de Tibério fora condenado ao suplício por ordem do procurador Pôncio Pilatos. Momentaneamente adormecida, essa superstição maléfica prorrompeu de novo, não só na Judéia, lugar de origem daquele flagelo, mas também em Roma onde tudo que seja vergonhoso e abominável acaba confluindo e encontrando a própria consagração.
«Foram inicialmente aprisionados os que faziam confissão aberta da crença. Depois, denunciados por estes, foi aprisionada uma grande multidão, não tanto porque acusados de terem provocado o incêndio, mas porque eram tidos como acesos de ódio contra o gênero humano.
«Os que se encaminhavam à morte estavam também expostos à burla: cobertos de pele de feras, morriam dilacerados pelos cães, ou eram crucificados, ou queimados vivos como tochas que serviam para iluminar as trevas quando o sol se punha. Nero tinha oferecido seus jardins para gozar desse espetáculo, enquanto oferecia os jogos do circo e, vestido como cocheiro misturava-se ao povo ou mantinha-se hirto sobre o coche.
«Embora os suplícios fossem contra gente culpada, que merecia tais tormentos originais, nascia por eles, um senso de piedade, porque eram sacrificados não em vista de um vantagem comum, mas pela crueldade do príncipe» (15,44).
Os cristãos eram, portanto, tidos também por Tácito como gente desprezível, capaz de crimes horrendos. Os crimes mais infames atribuídos aos cristãos eram o infanticídio ritual (como se na renovação da Ceia do Senhor, quando alimentavam-se da Eucaristia, sacrificassem uma criança e comessem suas carnes!) e o incesto (clara deformação do abraço da paz que se dava na celebração da Eucaristia "entre irmãos e irmãs"). As acusações, nascidas do mexerico do povo simples, foram assim sancionadas pela autoridade do Imperador, que perseguia os cristãos e os condenava à morte.
A partir daquele momento (testemunha Tácito) acrescentou-se à conta dos Cristãos um novo crime: o ódio contra o gênero humano. Plínio o Jovem escreverá, ironicamente, que daquele momento em seguida poder-se-ia condenar qualquer um à morte.

Acusados de ateísmo

São muito poucas as notícias da perseguição que atingiu os Cristãos no ano 89, sob o imperador Domiciano. É, de particular importância, a notícia trazida pelo historiador grego Dione Cássio, que foi pretor e cônsul em Roma. Ele afirma no livro 67 da sua História Romana que sob Domiciano foram acusados e condenados "por ateísmo" (ateòtes) o cônsul Flávio Clemente e sua mulher Domitila, e com eles muitos outros que «tinham adotado os costumes judaicos».
A acusação de ateísmo, nesse século, dirige-se a quem não considerava a majestade imperial como divindade absoluta. Domiciano, duríssimo restaurador da autoridade central, pretende o culto máximo à sua pessoa, centro e garantia da "civilização romana".
É admirável que um intelectual como Dione Cássio chame de "ateísmo" a recusa do culto ao imperador. Significa que em Roma não se admite nenhuma idéia de Deus que não coincida com a majestade imperial. Quem tem uma idéia diversa é eliminado como gravemente perigoso à "civilização romana".
Plínio o Jovem, governador da Bitínia no Mar Negro, estava voltando em 111 de uma inspeção em sua populosa e rica província quando um incêndio devastou a capital, Nicomédia. Muito poderia ter sido salvo se houvessem bombeiros. Plínio relata ao imperador Trajano (98-117): «Cabe-te, senhor, avaliar a necessidade criar uma associação de bombeiros de 150 homens. De minha parte, farei com que essa associação não acolha senão bombeiros…».
Trajando responde recusando a iniciativa: «Não esqueças que a tua província está nas mãos de sociedades desse tipo. Qualquer que seja o seu nome, qualquer que seja a destinação que quisermos dar a homens reunidos em corporação, isso permite, sempre e rapidamente as hetérias. O temor das hetérias (nome grego das "associações") prevaleceu sobre o medo dos incêndios.
O fenômeno era antigo. As associações de qualquer tipo que se transformavam em grupos políticos tinham levado César a interditar todas as associações no ano 7 a. C.: «Quem quer que forme uma associação sem autorização especial, é passível das mesmas penas dos que atacam à mão armada os lugares públicos e os templos». A lei estava sempre em vigor, mas as associações continuavam a florescer: dos barqueiros do Sena aos médicos de Avenches, dos mercantes de vinho de Lion aos trombeteiros de Lamesi. Todas defendiam os interesses de seus inscritos fazendo pressões sobre os poderes públicos.
Plínio não demorou em aplicar a interdição das hetérias num caso particular que lhe foi apresentado no outono de 112. A Bitínia estava cheia de Cristãos: «É uma multidão de gente de todas as idades, de todas as condições, espalhada pelas cidades, nas aldeias e nos campos», escreve ao Imperador. Continua dizendo que recebeu denúncias dos construtores de amuletos religiosos, perturbados pelos Cristãos que pregavam a inutilidade de tais bugigangas.
Instituíra uma espécie de processo para conhecer bem os fatos, e tinha descoberto que eles costumavam «reunir-se num dia fixo, antes do levantar-se do sol, cantar um hino a Cristo como a um deus, empenhar-se com juramento a não cometer crimes, a não cometer nem roubos, nem assaltos, nem adultérios, e a não faltar à palavra dada. Eles têm também o hábito de reunir-se para tomar a própria refeição que, apesar dos boatos, é alimento ordinário e inócuo».
Os cristãos não tinham cessado as reuniões nem mesmo depois do edito do governador que insistia na interdição das hetérias. Continuando a carta (10,96), Plínio refere ao Imperador que nada vê de mal nisso tudo. A recusa, porém, de oferecer incenso e vinho diante das estátuas do Imperador parece-lhe um ato sacrílego de desprezo. A obstinação dos Cristãos parece-lhe «irracional e tola».
Parece claro, da carta de Plínio, que caíram as absurdas acusações de infanticídio ritual e incesto. Permanecem a de «recusarem a oferecer culto ao Imperador» (portanto de lesa majestade), e da formação de hetérias.
O Imperador responde: «Os cristãos não devem ser perseguidos por ofício. Sendo, porém, denunciados e reconhecidos culpados, é preciso condená-los». Em outras palavras: Trajano encoraja a fechar um olho sobre eles: são uma hetéria inócua como os barqueiros do Sena e os vendedores de vinho de Lion. Uma vez, porém, que estão praticando uma «superstição irracional, tola e fanática» (como é julgada por Plínio e outros intelectuais do tempo, como Epíteto, e continuam a recusar o culto ao imperador (e portanto consideram-se «estranhos» à vida civil), não se pode fazer de conta que não há nada. Quando denunciados, sejam condenados.
Continua então (embora de forma menos rígida) o "Não é lícito ser cristão". Vítimas desse período são seguramente o bispo Simeão de Jerusalém, crucificado quando tinha 120 anos de idade, e Inácio Bispo de Antioquia, levado a Roma como cidadão romano, e aí justiçado. A mesma política, em relação aos Cristãos, é exercida pelos imperadores Adriano (117-138) e Antonino Pio (138-161).

Marco Aurélio: o cristianismo é uma loucura

Marco Aurélio (161 - 180), imperador filósofo, passou guerreando 17 dos seus 19 anos de império. Em suas Memórias, em que anotava todas as noites alguns pensamentos «para si mesmo», nota-se um grande desprezo pelo cristianismo. Considerava-o uma loucura porque propunha à gente comum, ignorante, uma maneira de comportar-se (fraternidade universal, perdão, sacrifício pelos outros sem esperar recompensa) que só os filósofos como ele podiam compreender e praticar ao final de longas meditações e disciplinas.
Ele proibiu, num rescrito de 176-7, que sectários fanáticos, com a introdução de cultos até então desconhecidos, pusessem em perigo a religião de Estado. A situação dos cristãos, sempre difícil, endureceu-se ainda mais com ele.
As comunidades florescentes da Ásia Menor, fundadas pelo apóstolo Paulo foram submetidas dia e noite a roubos e saques por parte da ralé. Em Roma, o filósofo Justino e um grupo de intelectuais cristãos foram condenados à morte. A florescente comunidade de Lion foi destruída sob a acusação de ateísmo e imoralidade. Pereceram entre torturas refinadas, também, a muito jovem Blandina, e Pôntico de quinze anos.
Os relatórios que chegaram até nós dão a entender que a opinião pública foi endurecendo em relação aos cristãos. Grandes calamidades públicas (das guerras à peste) despertaram a convicção de que os deuses estivessem encolerizados contra Roma. Quando percebeu-se que os cristãos ficavam ausentes das funções expiatórias, ordenadas pelo Imperador, o furor popular encontrou pretextos para excitar-se contra eles. A mesma situação continuou nos primeiros anos do imperador Cômodo, filho de Marco Aurélio. Sob o reinado de Marco Aurélio, a ofensiva dos intelectuais de Roma contra os Cristãos atingiu o auge.
«Freqüente e erroneamente - escreve Fábio Fuggiero - acredita-se que o mundo antigo tenha combatido a nova fé com as armas do direito e da política. Numa palavra, com as perseguições. Se isso pode ser verdade (embora apenas em parte) para o primeiro século da era cristã, já não o é a partir de meados do segundo século. Seja o mundo da "gentios" (= pagãos) seja a Igreja compreendem, mais ou menos na mesma época, a necessidade de combater-se e de dialogar no terreno da argumentação filosófica e teológica.
«A cultura antiga, treinada por séculos em todas as subtilezas da dialética, pode opor armas intelectuais refinadíssimas ao complexo doutrinal cristão e, logo, a própria Igreja, tomando consciência da força que o pensamento clássico exerce como freio da expansão do evangelho, vê a necessidade de elaborar um pensamento filosófico e teológico genuinamente cristão, mas capaz ao mesmo tempo, de exprimir-se numa linguagem e em categorias culturais inteligíveis por parte do mundo greco-romano, no qual se vem inserindo sempre mais».

As argumentações dos intelectuais anticristãos

As argumentações de Marco Aurélio (121-180), Galeno (129-200), Luciano, Pelegrino Proteo e, especialmente, Celso (que escreveram suas obras na segunda metade do século segundo) podem-se condensar assim:
«A 'salvação' da insignificatividade da vida, da desordem dos acontecimentos, do aniquilamento da morte, da dor, só pode ser encontrada numa 'sabedoria filosófica' por parte de uma elite de raros intelectuais. Trata-se de uma loucura o fato de os cristãos colocarem esta 'salvação' na 'fé' num homem crucificado (como os escravos) na Palestina (uma província marginal) e declarado ressuscitado.
«O fato de os cristãos crerem na mensagem do crucificado, que se dirige preferencialmente aos marginalizados e pobres (à 'poeira humana') e que pregue a fraternidade universal (numa sociedade bem escalonada em pirâmide e considerada como 'ordem natural') é outra loucura intolerável, que incomoda, que revira tudo. É preciso eliminar os Cristãos como transgressores da civilização humana».
A crítica dos intelectuais anticristãos volta-se contra a própria idéia de "revelação do alto", não baseada numa "sabedoria filosófica"; contra as Escrituras cristãs, que têm contradições históricas, textuais, lógicas; contra os dogmas "irracionais"; contra o fato do LOGOS de Deus fazer-se carne (Evangelho de João) e submeter-se à morte dos escravos; contra a moral cristã (fidelidade no matrimônio, honestidade, respeito pelos outros, ajuda recíproca), que pode ser alcançada por um pequeno grupo de filósofos, mas não certamente pela massa intelectualmente pobre.
Toda a doutrina cristã, para esses intelectuais, é loucura, como é loucura a pretensão da ressurreição (ou seja, da prevalência da vida sobre a morte), como é loucura a preferência de Deus pelos humildes e a fraternidade universal. É tudo irracional.
O filósofo grego Celso, em seu Discurso sobre a verdade, escreve: «Recolhendo gente ignorante, que pertence à mais vil população, os cristãos desprezam as honras e a púrpura, e chegam até mesmo a chamar-se indistintamente de irmãos e irmãs… O objeto de sua veneração é um homem punido com o último dos suplícios e, do lenho funesto da cruz, eles fazem um altar, como convém a depravados e criminosos».

As primeiras reações dos Cristãos

Por decênios, os cristãos permaneceram calados. Difundem-se com a força silenciosa da proibição. Opõem amor e martírio às acusações mais infamantes. É no segundo século que seus primeiros apologistas (Justino, Atenágoras, Taciano) negam, com a evidência dos fatos, as acusações mais infamantes, e procuram exprimir a própria fé (nascida em terra semítica e confiada a "narrações") em termos culturalmente aceitáveis por um mundo embebido de filosofia greco-romana. Os "tijolos" bem alinhados da mensagem de Jesus Cristo começam a ser organizados segundo uma estrutura arquitetônica que possa ser valorizada pelos greco-romanos. Serão Tertuliano, no Ocidente, e Orígenes, no Oriente (terceiro século), a darem uma forma sistemática e imponente a toda a "sabedoria cristã". Com os "tijolos" da mensagem de Jesus Cristo tentar-se-á delinear a harmonia da basílica romana, como depois, com o passar dos séculos, tentar-se-á delinear a ousadia da basílica gótica, a sólida pacatez da catedral românica, o fasto da igreja barroca…

A grave crise do terceiro século (200-300)

O século terceiro vê Roma em gravíssima crise. As relações entre Cristianismo e império romano transformam-se, embora nem todos o percebam. A grande crise é assim descrita pelo historiador grego Herodiano: «Jamais houve, nos duzentos anos passados, um tão freqüente suceder-se de soberanos, nem tantas guerras civis e contra os povos limítrofes, nem tantos movimentos de povos. Houve uma quantidade incalculável de assaltos a cidades no interior do Império e em muitos países bárbaros, de terremotos e pestilências, de reis e usurpadores. Alguns deles exerceram o comando longamente, outros mantiveram o poder por brevíssimo tempo. Algum deles, proclamado imperador e glorificado, permaneceu um só dia e logo desapareceu».
O Império Romano estendera-se progressivamente com a conquista de novas províncias. A conquista continuada permitira a exploração de sempre novas vastíssimas terras (o Egito era o celeiro de Roma, a Espanha e as Gálias, a sua vinha e o seu olival). Roma apossara-se de sempre novas minas (a Dácia tinha sido conquistada pelas suas minas de ouro). As guerras de conquista tinham providenciado multidões infinitas de escravos (prisioneiros de guerra), mão-de-obra gratuita.
Em meados do século terceiro (por volta de 250) percebeu-se que a festa acabara. A Leste, formara-se o poderoso império Sassânida, que fez duríssimos ataques aos Romanos. Em 260 foram capturados o imperador Valeriano e todo o seu exército de 70 mil homens, e devastadas as províncias do Leste. A peste acabou com as legiões supérstites e espalhou-se por todo o Império. Ao Norte formara-se um outro aglomerado de povos fortes: os Godos. Espalharam-se pela Mésia e pela Dácia. O Imperador Décio e o seu exército tinham sido massacrados em 251. Os Godos desceram devastando do Norte até Esparta, Atenas, Ravena. Eram terríveis os amontoados de destroços que deixavam. A maior parte das pessoas cultas, que não puderam ser substituídas, perderam a vida ou tornaram-se escravas. A vida regrediu ao estado primitivo e selvagem. A agricultura e o comércio foram aniquilados.
Nesse tempo de grave incerteza cai a segurança garantida pelo Estado. Agora são os gentios (=pagãos) que se tornam "irracionais", a confiar não mais na ordem imperial mas na proteção das divindades mais misteriosas e estranhas. Surge no Quirinal, em Roma, um templo à deusa egípcia Isis, o imperador Eliogábalo impõe a adoração do deu Sol, o povo recorre a ritos mágicos para manter a peste distante. Entretanto, mesmo no século terceiro dão-se anos de terríveis perseguições contra os cristãos. Não mais por causa da sua "irracionalidade" (num mar de gente que se entrega a ritos mágicos, o cristianismo é agora o único sistema racional), mas em nome da renascida limpeza étnica. Muitos imperadores, mesmo sendo bárbaros de nascimento, vêem no retorno à unidade centralizada a única via de salvação. E decretam a extinção dos cristãos, sempre mais numerosos, para lançar fora da etnia romana esse "corpo estranho", que se apresenta sempre mais como uma nova etnia, pronta a substituir aquela que já declina do império fundado nas armas, na rapina, na violência.

Setímio Severo, Maximino Trace, Décio e Galo

Com Setímio Severo (193-211), fundador da dinastia siríaca, parece anunciar-se ao cristianismo uma fase de desenvolvimento não perturbado. Muitos cristãos ocupam posições influentes na corte. Só no décimo ano de seu reinado (202), o imperador muda radicalmente de atitude.
Em 202 surge um edito de Setímio Severo, que comina graves penas à passagem ao judaísmo e à religião cristã. A repentina mudança do imperador pode ser compreendida apenas pensando que ele percebera que os cristão estavam se unindo sempre mais fortemente numa sociedade religiosa universal e organizada, dotada de uma íntima forte capacidade de oposição que a ele, por considerações de política estatal, parece suspeita. As devastações mais vistosas foram sofridas pela célebre escola cristã de Alexandria e pelas comunidades cristãs da África.
Maximino Trace (235-238) teve uma reação violenta e brutal contra o que tinham sido amigos do seu predecessor, Alexandre Severo, tolerante com os cristãos. A igreja de Roma foi devastada com a deportação às minas da Sardenha dos dois chefes da comunidade cristã, o bispo Ponciano e o presbítero Hipólito.
A atitude para com os Cristãos não fora alterada entre a gente simples; demonstra-o a verdadeira caça aos cristãos desencadeada na Capadócia quando se acreditava ver neles os culpados de um terremoto. A revolta popular diz-nos o quanto os cristãos ainda fossem considerados "estranhos e maléficos" pelo povo. (Cf. K. Baus, Le origini, p. 282-287).
Sob o imperador Décio (249-251) desencadeia a primeira perseguição sistemática contra a Igreja, com a intenção de desenraiza-la para sempre. Décio (sucessor de Filipe o Árabe, muito favorável aos cristão, se não ele mesmo cristão), é um senador originário da Panônia, e muito apegado às tradições romanas. Sentindo profundamente a desagregação política e econômica do império, acreditou que podia restaurar a sua unidade recolhendo todas as energias ao redor dos protetores do Estado. Todos os habitantes são obrigados a sacrificar aos deuses e recebem, depois disso, um certificado.
As comunidades cristãs estão abaladas pela tempestade. Quem recusa-se ao ato de submissão é preso, torturado, justiçado: como o bispo Fabiano em Roma e, com ele, muitos sacerdotes e leigos. Em Alexandria houve uma perseguição acompanhada de saques. Na Ásia, os mártires foram numerosos; entre eles, os bispos de Pérgamo, Antioquia, Jerusalém. O grande estudioso Orígenes foi submetido a uma tortura desumana, e sobreviveu quatro anos aos suplícios, reduzido a uma larva humana.
Nem todos os Cristãos suportam a perseguição. Muitos aceitam sacrificar. Outros, mediante suborno, obtêm escondidamente os famosos certificados. Entre eles, segundo a carta 67 de Cipriano, estão pelo menos dois bispos espanhóis. A perseguição, que parece golpear até à morte a Igreja, termina com a morte de Décio em batalha contra os Godos na planície de Dobrug (Romênia). (Cf. M. Clèvont, I Cristiani e il potere. P. 179s).
Os setes anos seguintes (250-257) são de tranqüilidade para a Igreja, perturbada apenas em Roma por uma breve onda de perseguição quando o imperador Trebônio Galo (251-253) manda prender o chefe da comunidade cristã Cornélio, mandando-o em exílio a Centum Cellae (Civitavecchia). Sua conduta foi devida, provavelmente, à condescendência aos humores do povo, que atribuía aos cristãos a culpa pela peste que assolava o império. O cristianismo continuava a ser visto como "superstição" estranha e maléfica! (Cf. K. Baus, Le origini, p. 292)

Valeriano e as finanças do império

No quarto ano do reino de Valeriano (257) tem-se um improvisa, dura e cruenta perseguição dos cristãos. Não se tratou contudo de assunto religioso, mas econômico. Diante da precária situação do império, o conselheiro imperial (depois usurpador) Macriano induziu Valeriano a tentar tapar o rombo seqüestrando os bens dos cristãos ricos. Houve mártires ilustres (do bispo Cipriano ao papa Sisto II, ao diácono Loureço). Foi, porém, apenas um furto encoberto por motivos ideológicos, que terminou com o trágico fim de Valeriano. Em 259, ele caiu prisioneiro dos persas com todo o seu exército, foi obrigado à vida de escravo e morreu com tal.
Os quarenta anos de paz que se seguiram, favoreceram o desenvolvimento interno e externo da Igreja. Muitos cristãos acederam a altos cargos do Estado e demonstraram-se homens capazes e honestos.

O desastre financeiro cai nos braços de Diocleciano

Em 271 o imperador Aureliano ordenou aos soldados e cidadãos romanos que abandonassem aos Godos a vasta província da Dácia e suas minas de ouro: a defesa daquelas terras já tinha custado muito sangue.
Como não existiam mais províncias a conquistar e explorar, todas as tenções voltaram-se para o cidadão comum. Sobre eles abateram-se taxas, corvéias (= manutenção de aquedutos, canais, esgotos, estradas, edifícios públicos…) sempre mais onerosos. Já não se sabia, literalmente, se o trabalho realizado era para sobreviver ou para pagar as taxas.
Em 284, depois de uma brilhante carreira militar, Diocleciano, de origem dálmata, foi aclamado imperador. Desde então as taxas seriam pagas per capita e per jugero, ou seja, um tanto por cada pessoa e por cada pedaço de terra cultivável.
A coleta das taxas foi confiada a uma atilada e imensa burocracia, que tornava impossível fugir ao fisco, punia de modo desumano quem conseguia fazê-lo e custava muitíssimo ao estado.
As taxas eram tão pesadas que tiravam a vontade de trabalhar. A solução foi proibir que se abandonasse o lugar de trabalho, o pedaço de terra que se cultivava, a oficina, o uniforme militar.
«Teve início, dessa forma - escreve F. Oertel, professor de história antiga na Universidade de Bonn - a feroz tentativa do Estado de espremer a população até à última gota… Sob Diocleciano é realizado um socialismo integral de estado: terrorismo de funcionários, fortíssima limitação da ação individual, progressiva interferência estatal, pesadas taxações».

Perseguições de Galério em nome de Diocleciano

Os primeiros vinte anos do reino de Diocleciano não molestaram os cristãos. Em 303, como um golpe de cena, desencadeou-se a última perseguição contra eles. «É obra de Galério, o "César" de Diocleciano», escreve F. Ruggiero. «Ele pôs fim em 303 à política prudente de Diocleciano, que se abstivera, embora nutrisse sentimentos tradicionalistas, de atos intransigentes e intolerantes». Quatro editos consecutivos (fevereiro de 303 - fevereiro de 304) impuseram aos cristãos a destruição das igrejas, o confisco dos bens, a entrega dos livros sagrados, a tortura até à morte para quem não sacrificasse em honra do imperador.
Como sempre, é difícil determinar os motivos que levaram Diocleciano a aprovar uma política do gênero. Pode-se supor que tenha sido objeto de pressões por parte de ambientes pagãos fanáticos, que estavam por detrás de Galério. Numa situação de "angústia difusa" (como diz Dodds), só o retorno à antiga fé de Roma poderia, segundo Galério e seus amigos, unificar o povo e persuadi-lo a enfrentar tantos sacrifícios. Era preciso retornar às vetera instituta, isto é, às antigas leis e à tradicional disciplina romana.
A perseguição atingiu a sua máxima intensidade no Oriente, especialmente na Síria, Egito e Ásia Menor. A Diocleciano, que abdicou em 305, sucedeu como "Augusto" Galério, e como "César" Maximino Daia, que se demonstrou mais fanático do que ele.
Só em 311, seis dias antes de morrer de câncer na garganta, Galério emanou um irritado decreto com que detinha a perseguição. Com o decreto (que marcou historicamente a definitiva liberdade de ser cristão), Galério deplorava o obstinação, a loucura dos cristãos, que em grande número se tinham recusado a retornar à religião da antiga Roma; declarava que perseguir os cristãos tornara-se inútil; e exortava-os a rezar ao próprio Deus pela saúde do imperador.
Comentando o decreto, F. Ruggiero escreve: «Os cristãos foram um inimigo extremamente anômalo. Por mais de dois séculos Roma tinha procurado assimilá-los ao próprio tecido social… estavam fisicamente no interior da civitas Romana, mas por motivos diversos eram-lhe estranhos»; tinham finalmente determinado «uma radical transformação da própria civitas em sentido cristão».

A profunda revolução

As últimas perseguições sistemáticas do terceiro e quarto séculos resultaram ineficazes como aquelas esporádicas do primeiro e segundo séculos. A limpeza étnica invocada e apoiada pelos intelectuais greco-romanos não fora realizada. Porque?
Porque, à distância, as acusações indignadas de Celso resultaram o melhor elogio aos Cristãos: «recolhendo gente ignorante, pertencente à população mais vil, os cristãos desprezam as honras e a púrpura, e chegam até mesmo a chamar-se indistintamente de irmãos e irmãs».
O apelo à dignidade de toda pessoa, mesmo a mais humilde, a igualdade diante de Deus (o ponto mais revolucionário da mensagem cristã) tinha feito silenciosamente o seu caminho na consciência de tantas pessoas e de tantos povos, que os Romanos tinham relegado a posições miseráveis de nascidos escravos e de lixo humano.

Bibliografia essencial: K.BAUS Le origini, Jaca Book; F. RUGGIERO La Follia dei Cristiani, Il Seggiatore; T. BOSCO, Eusebio di Vercelli nel suo tempo pagano e cristiano, Elle Di Ci; J. DANIELOU, H. MORROU, Dalle origini a S. Gregorio Magno, Marietti; M. CLEVENOT, Gli uomini della fraternità, 1-2, Borla.
Dimensioni nuove, LDC, 10096 Leumann, Torino, N.7, 1996, p.29-39
Epístola de Diogneto

Capitulo1. MOTIVO DA CARTA, PERGUNTAS DE DIOGNETO.
PRÓLOGO

Uma vez que excelente Diogneto, vejo a tua ardente aspiração por conhecer como os cristãos cultuam a Deus,e as tuas perguntas muito claras e cuidadosas a respeito deles: quem é esse Deus em que depositam confiança; como se explica que todos os seus adoradores desdenhem o próprio mundo e despreza a morte; por que não consideram deuses aqueles que os gregos tem por tais; que significa a viva afeição que mutuamente se dedicam; por que esse novo gênero ou estilo de vida só começou a existir agora e não antes; 2. acolho tal desejo e peço a Deus, de quem nos vem tanto o dom de falar como o de ouvir, conceda-me a mim exprimir-me de tal modo que logo venha a saber que melhor te tornaste, e a ti, ouvir de tal maneira que não se entristeça quem te dirigiu a palavra.

Capítulo 2 POR QUE OS CRISTÃO NÃO ADORAM OS ÍDOLOS
Avante, pois! Purificado das cogitações que antes revolvias desembaraçado dos costumes enganadores, como que radicalmente convertido num homem, novo, bem disposto a ser fazer ouvinte (tu mesmo o confessas) duma doutrina nova, verifica não apenas com os olhos, mas também com a razão, qual a substância ou a forma dos assim chamados e supostos deuses. 2. Um deles não será uma pedra, semelhante ás que calcamos aos pés? O segundo, bronze, nada melhor do que os recipientes fundidos para nosso uso? O terceiro não será madeira, além do mais, apodrecida? Outro, prata, e necessitado de um homem que o vigie para não ser furtado? Aquele outro, ferro, corroído de ferrugem? Outro, por fim, argila, e m coisa alguma mais nobre do que os utensílios destinados aos serviços mais vis? 3. Acaso não serão todos de matéria corruptível? Não foram forjados a ferro e fogo? Acaso não foram produzidos um pelo escultor, outro pelo ferreiro, o seguinte pelo ourives, outro ainda pelo oleiro? Antes que algum deles tivesse adquirido a forma atual, por meio destas artes, e mesmo agora, não poderia transformar-se em outro? Será que agora da própria matéria desses objetos, havendo os mesmos artífices, não se poderá criar deuses semelhante àqueles? 4. Será que os homens não poderão, novamente, daqueles que adorails agora, plasmar vasos semelhantes aos demais? Não são todos surdos? Não são cegos? Inanimados? Isensíveis? Imóveis? Acaso não apodrecem todos eles? Não se corrompem todos? 5. É a isto que denominais deuses, servis, adorais; e einteriramente a eles vos assemelhais. 6. Por este motivo, odiais os cristãos, que não os consideram deuses.
7. No entanto, vós que agora acreditais e julgais honrá-los como deuses, não os desprezais muito mais do que os cristãos? Não zombais e injuriais muito mais do que eles? Venerais, desprotegidos, ídolos de pedra e argila; os de prata, e os de ouro, porém, ficam trancados à noite, e de dia, confiados a guarda para não serem roubados
8. Assim, aqueles que querei honrar, se de fato têm sensibilidade, antes os suplicais; se, ao invés, são insensíveis, ao cultua-los com sangue e odores (das vitimas queimadas), os arguis disto. 9. Quem de vós suportaria tal coisa? Quem deixaria que assim lhe fizessem? Homem algum (dotado como é de sentido e intelecto) suportaria de bom grado este suplicio. A pedra, contudo, o suporta; é insensível. Com isto demonstrais que são insensíveis
10. Quanto ao fato de que os cristãos se sujeitam à escravidão destes deuses, muito teria ainda a dizer. Se, no entanto, estas palavras parecerem a alguém insuficientes, seria ocioso acrescentar outras.

Capítulo 3 OS JUDEUS TAMBÉM PENSAM TER DEUS NECESSIDADE DESSES SACRIFICIOS.
Em seguida, parece-me estares extremamente desejoso de ouvir por que eles (os cristãos) não tributam a Deus culto idêntico ao dos judeus. 2. Embora se abstenham estes da idolatria acima referida, e com razão queiram venerar um só Deus e considera-lo Senhor de tudo, se, apesar disso, o cultuarem de modo parecido ao supracitado, incorrem em erro. 3. Se já os gregos que oferecem sacrifícios a deuses insensíveis e surdos, dão mostras de demência, quando os judeus procuram oferece-los a Deus, como se disto carecesse, isto mais se afigura estultície do que culto divino.
4.Não é possível de modo algum que o criador do céu e da terra e de tudo o que ela contem, o qual nos fornece tudo aqilo de que precisamos, necessite de seus próprios dons, outorgados àqueles que pensam em dar-lhe algo. 5. Os que querem oferecer-lhe sacrifício de sangue, odores (das vitimas) e holocausto, e assim reverenciá-lo, a meu ver, na medida em que acham estar dando algo a quem de nada carece, não diferem dos que prestam idênticas honras a deuses surdos, venerando ídolos incapazes de receber tal reverência.

Capítulo 4 CULTO INADEQUADO
Não será proveitoso, a meu ver, ouvires de mim o referente à meticulosidade acerca de alimentos, à superstição a respeito dos sábados, à jactância por causa da circuncisão e à simulação em torno de jejuns e neomênias, porque ridículas e indignas de menção. 2. Pois seria lícito aceitar como sendo boas algumas das criaturas de Deus destinadas à utilidade dos homens e rejeitar outras, tendo-as por inúteis e supérfluas? 3. Não seria ímpio imaginar que Deus proíba fazer algum bem no dia sábado 4. Não seria ridículo gloriar-se da mutilação da carne, como se fosse sinal de eleição, de especial amor de Deus? 5. Quem não tomará antes como indicio de insensatez do que de culto divino ser assessores dos astros e da lua, dar-se à observação de meses e dias, (acomodar) às inclinações do próprio espírito as disposições de Deus e as sucessões das estações, destinando certos dias as festas outros, ao luto?
6.Opino estares suficientemente instruído de que os cristãos com justeza se abstêm não só da vaidade e da fraude, mas ainda das múltiplas questões e da jactância dos judeus. Mas não alimentes a esperança de aprender de homem algum o mistério do culto divino que lhes é próprio

Capítulo 5 VIDA DOS CRISTÃOS
Não se distinguem os cristão dos demais, nem pela região, nem pela língua, nem pelos costumes. 2. Não habitam cidades à parte, não empregam idioma diverso dos outros, não levam gênero de vida extraordinário. 3. A doutrina que se propõem não foi excogitada solicitamente por homens curiosos. Não seguem opinião humana alguma, como vários fazem.
4.Moram alguns em cidades gregas, outros em bárbaras, conforme a sortede cada um; seguem os costumes locais relativamente ao vestuário, à alimentação e ao restante estilo de viver, apresentando um estado de vida (político) admirável e sem dúvida paradoxal. Enquanto cidadãos, de tudo participam, porém tudo suportam como estrangeiros. Toda terra estranha à pátria para eles e toda pátria, terra estranha.
6. Casam-se como todos os homens e como todos procriam mas não rejeitam os filhos. 7. A mesa é comum; não o leito.
8. Estão na carne, mas não vivem segundo a carne. 9. Se a vida deles decorre na terra, a cidadania, contudo está nos céus. 10. Obedecem as leis estabelecidas, todavia superam-nas pela vida.
11. Amam a todos, e por todos são perseguidos. 12. Desconhecidos, são condenados. São mortos e com isso se vivificam.
13.Pobres, enriquecem a muitos. Tudo lhes falta, e tem abundancia de tudo. 14.Tratados sem honras, e nestas desonras são glorificados. São amaldiçoados, mas justificados. 15.Amaldiçoados e bendizem. Injuriados, tributam honras. 16. Fazem o vem e são castigados quais malfeitores. Supliciados, alegram-se como se obtivessem vida.
17. Hostilizam-nos os judeus quais estrangeiros; perseguem-nos os gregos, e, contudo, os que os odeiam não sabem dizer a causa desta inimizade.

Capítulo 6 A ALMA NO CORPO, OS CRISTÃOS NO MUNDO
Para simplificar, o que é a alma no corpo são no mundo os cristãos. 2. Encontra-se a alma em todos os membros do corpo, e os cristãos dispersam-se por todas as cidades do mundo. 3. A alma, é verdade, habita noc orpo, mas dele não provêm. Os cristãos residem no mundo, mas não são do mundo. 4. Invisível, a alma é cercada pelo corpo visível. Igualmente os cristãos, embora se saiba que estão no mundo, o seu culto a Deus permanece invisível. 5. A carne odeia a alma e a combate sem haver sofrido injustiça, porque a impede de gozar os prazeres, também o mundo odeia os cristãos, sem ter sofrido ofensa, por se oporem aos prazeres. 6. A alma ama a carne que a odeia e os membros; assim os cristãos, amam os que os detestam.
7.Encerrada no corpo, a lama é quem faz a coesão do corpo. Os cristãos igualmente, estão de certo modo aprisionados no mundo, como num cárcere, mas são eles que sustêm o cosmos. 8. Imortal embora, a alma reside numa tenda mortal. De maneira semelhante, os cristãos abrigam-se provisoriamente em refúgios corruptíveis, à espera da incorrupção nos céus.
9. A alma mal cuidada relativamente à comida e à bebida, aperfeiçoa-se. Os cristãos também, cotidianamente supliciados aumentam cada vez mais. 10. Deus os colocou em tão elevado posto, que não lhes é lícito recusar.

Capítulo 7 DEUS ENVIOU O PRÓPRIO FIHO AO MUNDO
`Não lhes foi transmitida uma invenção, por assim dizer, terrena, nem julgam dever preservar com tanto cuidado uma imaginação efêmera, nem lhes foi confiada a administração de mistérios humanos. 2. Mas p próprio todopoderoso, o criador de tudo, o Deus invisível fez descer do céu a verdade e o Verbo Santo e incompreensível, colocou-o no meio dos homens e estabeleceu-o firmemente em seus corações. Não o realizou, como poderia alguém imaginar, enviando aos homens servo, ou anjo o príncipe ou algum dos que presidem as coisas terrenas, ou um encarregado da disposição das habitações celestes, mas op próprio artífice e criador de todas as coisas. Por ele criou os céus e conteve os mares dentro de seus confins
Guardam fielmente os seus mistérios, todos os elementos. Impôs ao sol a medida do curso dos dias que deve manter. A lua atende a sua ordem de aparecer à noite; obedecem-lhe as estrelas que acompanham o percurso da lua.. Por ele todas as coisas foram ordenadas, definidas e submetidas: os céus e o que existe nos céus, a terra e o que há na terra, o mar e o que o mar contêm, o fogo, o ar, o abismo, os seres existentes nas alturas, os das profundezas, os do espaço intermediário. Enviou-o para todos eles
3. Poderia alguém pensar que enviou por tirania, para incutir medo ou assombro? 4. De modo algum. Foi com clemência e mansidão, como um rei envia seu filho rei, que o enviou. Enviou-o como Deus, Salvador, persuasivo e não violento, enviou aos homens. Em Deus não existe violência. 5. Enviou como quem convida, não como perseguidor; enviou como quem ama, não como juiz.
6. Há de manda-lo, porém, um dia para julgar. E então, quem suportará a sua vinda? 7. (Não vês que) são lançados às feras, a fim de negarem o Senhor, mas não são vencidos? 8. Não vês, quanto maior o número dos que são supliciados, tanto mais aumentam os cristãos? 9. Tais fatos não podem ser obra humana; derivam do poder de Deus e são demonstrações de sua vinda.

Capítulo 8 MISÉRIA DO GENERO HUMANO, ANTES DA VINDA DO VERBO.
Soube alguém, antes que ele viesse, quem é, afinal, Deus? 2. Ou aceitarás as vãs e néscias. Opiniões de filósofos fidedignos? Alguns deles afirmaram que Deus é fogo ( e para lá que irão, e chamam-no deus),, outros que é água, outros ainda que é um dos elementos criados por Deus.
3. Sem dúvida, se alguma dessas asserções fossem aceitável, poder-se-ia de cada uma das restantes criaturas afirmar igualmente que é Deus 4.Mas todas elas são prodígios e embustes de impostores. 5. Homem algum jamais o viu ou conheceu a Deus; ele próprio foi quem se revelou a si mesmo.
6.Manifestou-se pela fé, a única à qual é dado ver a Deus, que fez todas as coisas e julga segundo a ordem, não só se tornou amigo dos homens mas ainda longânimo. 8. Assim era ele sempre, é e será ótimo, bondoso, tolerante e verdadeiro, só ele é bom. 9. Havendo traçado um grande e inefável plano, apenas ao Filho o participou. 10. Enquanto, porém, o conservam em mistério e guardava o seu sábio desígnio, parecia descuidado e despreocupado a nosso respeito. 11. Mas, quando por meio de seu Filho muito amado revelou e manifestou o que preparara desde o princípio, concedeu-nos simultaneamente tudo: participar de seus benefícios e ver... Quem dentre nós jamais o havia esperado? Tudo sabia em si e com o Filho, conforme dispusera.

Capítulo 9 O FILHO TARDOU A FIM DE QUE OS HOMENS SE RECONHECESSEM POR INDIGNOS DA VIDA
Até recentemente deixou-nos, como queríamos, agitado por tendências desordenadas, arrastados por prazeres e concupiscências. Não se regozijava, de modo algum, com nossos pecados, mas tolerava-os. Nem tampouco aprovava, então, o tempo favorável à injustiça, mas criava um espírito de justiça, a fim de que éramos indignos da vida, agora pela bondade de Deus nos tornemos dignos, e tendo-se evidenciado que era impossível, por nós mesmos, entramos no reino de Deus pela força de Deus disso agora sejamos capazes.
2. Quando, pois, se consumou a nossa injustiça e se manifestou perfeitamente que o salário dela era o castigo e a morte, chegou o tempo por Deus predestinado para se revelar finalmente a sua bondade e a sua força; e como...por excesso de amor, de caridade aos homens... não nos odiou, nem rejeitou, nem guardou lembrança do mal. Mas foi longânime, suportou-nos, agüentou os nossos pecados, entregou o próprio Filho, em resgate por nós, o santo pelo iníquos, o inocente pelos maus, o justo pelos injustos, o incorruptível pelos corruptíveis, o imortal pelos mortais
3. Que poderia ocultar nossos pecados senão a sua justiça? 4. Como poderíamos nós, transgressores e ímpios, justificar-nos a não ser no Filho de Deus? 5. O doce permuta, ó criação insondável, ó inesperados benefícios! Que a injustiça de muitos se oculte em um só justo, a justiça de um só justifique a muitos transgressores.
6. No passado, ele nos comprovou a impotência de nossa natureza para obter a vida; agora, apresentou um salvador capaz de salvar até o que era impossível; em ambos os casos quis que confiássemos em sua bondade e o tivéssemos por nutricio, pai, mestre, conselheiro, médico, mente, luz, honra, glória, força, vida e que não nos inquietássemos por causa de veste e alimento

Capítulo 10 OS BENS QUE DIOGNETO OBTERÁ COM A FÉ
Se ambicionares a mesma fé, adquire primeiro o conhecimento (do Pai)...
2. Deus, na verdade, amou os homens; por causa deles fez o mundo, sujeito-lhes todas as coisas... deu-lhes inteligência e razão, só a eles concedeu levantar os olhos para ele, plasmou-os à sua própria imagem, para eles enviou seu Filho Unigênito, prometeu-lhes o reino do céu, e o há de dar aos que o amam.
3. Havendo-o conhecido, de que alegria não te sentirás repleto? 4. Ou como amarás aquele que de tal modo te amou primeiro? Amando-o, imitarás a sua bondade. E não te admires de poder um homem tornar-se imitador de Deus; pode-o se Deus o quiser.
5. Não é ser feliz cominar despoticamente o próximo, nem quere estar acima dos mais fracos, nem se enriquecer e praticar violências contra inferiores. Em nada disso imitaria alguém a Deus; tudo isto está excluído de sua grandeza. 6. Quem carrega o fardo do próximo, quem procura fazer bem ao inferior naquilo mesmo que em que é melhor, quem transfere os dons de Deus aos necessitados, torna-se um deus para os que o recebem, é imitador de Deus.
7. Então, embora te encontres sobre a terra, verás que Deus governa nos céus, então começara a proferir os mistérios de Deus, então amarás e admirarás os que são torturados por não quererem renegar a Deus, então condenarás a ilusão e o desvio do mundo, quando conheceres a verdadeira vida no céu, quando desprezares que aqui é considerado morte, quando temeres a verdadeira morte, reservada para os condenados ao fogo eterno, que há de atormentar sem fim os nele lançados. 8. Então admirarás os que suportam pela justiça o fogo temporário e... chama-lo-ás bem-aventurados quando o conheceres o que é aquele fogo.

Capítulo 11 IMPORTÂNCIA DA DOUTRINA DO VERBO ENCARNADO
Não falo de coisas estranhas, nem procuro absurdos, mas como me tornei discípulos dos apóstolos faço-me mestre dos gentios. Apenas transmito o que me foi confiado aos que se fizerem dignos discípulos da verdade
2. Qual o homem perfeitamente instruído e gerado pelo Verbo antigo, que não procure souber com exatidão o que o Verbo manifestou aos discípulos, aos quais mostrou-se o Verbo aparecendo e falando-lhes com a maior confiança? Enquanto os incrédulos não o compreendiam, ele conversava com os discípulos; os que ele julgava fiéis conheceram os mistérios do Pai. 3. que por causa deles enviou o Verbo, para se manifestar no mundo. Desprezado foi pelo povo, mas os apóstolos o anunciaram e nele creram as nações.
4. Ele, que é desde o princípio, apareceu... como sendo novo... e sempre recém-nascido nos corações dos santos. 5. Ele que é sempre e hoje é declarado Filho, por quem a Igreja se enriquece. Desdobra-se e multiplica-se nos santos a graça, a qual se apresenta à mente, manifesta os mistérios, anuncia os tempos, alegra-se a respeito dos fiéis, doa-se aos que o procuram o que não infringem os limites da fé, nem transgridem os marcos estabelecidos pelos pais
6. Em seguida, elogia-se o temor da lei, reconhece-se a graça dos profetas, firma-se a fé dos evangelhos, guarda-se a tradição dos apóstolos, e exulta a graça da Igreja
7. Se não contristares esta graça, reconhecerás o que o Verbo fala por intermédio de quem quer e quando quer. 8. Todas essas coisas, de fato, fomos induzidos a explicar-vos laboriosamente, pela vontade do Verbo que nos impele. Por amor das próprias coisas reveladas, queremos que delas participeis.

Capítulo 12 A VERDADEIRA CIÊNCIA, NA IGREJA PELA VIDA UNIDA E CARIDADE.
Se atenderes a elas, se escutardes com zelo, sabereis tudo o que Deus prepara aqueles que o amam sinceramente e que se transformaram num paraíso de delícias, produzindo em si mesmos uma arvore fértil e frondosa, ornada de frutos vários. 2. Nesta região foram plantadas a arvores da ciência e a árvore da vida. Mas não é a arvore da ciência que mata e sim a desobediência que mata.
3. Não é obscuro o que está escrito, que Deus no começo plantou a arvore da vida no meio do paraíso, mostrando através da ciência a vida. Como não usaram dela puramente os primeiros homens, por sedução da serpente foram despojados. 4. Não há vida sem ciência, nem ciência sólida sem vida verdadeira. Por isso as arvores foram plantadas uma perto da outra. 5. O apóstolo, conhecedor da força desta relação, censura a ciência que se exerce sem o mandamento da verdade em vista da vida: A ciência incha, mas o amor edifica. 6. Quem julga entender algo sem o conhecimento verdadeiro, atestado pela vida, ignora, é seduzido pela serpente, porque não amou a vida. Mas quem adquiriu o conhecimento com temos, e procura a vida, planta em esperança, na expectativa de frutos
7. A ciência te sirva de coração, a vida seja a palavra verdadeira, bem acolhida. 8. Se tens esta árvore e produzes frutos, sempre colherás o que é desejável diante de Deus, o qual a serpente não tocará e no qual não se mistura engano. Nem Eva é corrompida, mas a virgem é acreditada. 9. A salvação é mostrada, os apóstolos são dotados de inteligência, a Páscoa do Senhor se adianta, reúnem-se coros e harmonizam-se com ordem; ensinando aos santos, alegra-se o Verbo, por quem é glorificado o Pai. A Ele seja dada a glória nos séculos