quarta-feira, 11 de março de 2009

GNOSTICISMO - Marcelo FTBC

INTRODUÇÃO


O mundo no qual a fé cristã nasceu era um mundo mágico, as pessoas eram místicas, sinais, visões e milagres eram para elas algo normal. As multidões que se convertiam ao cristianismo não vinham à nova fé livres de bagagem cultural. Esta situação fez com que alguns oferecessem suas próprias interpretações da fé cristã. O espírito sincretista que existia na comunidade por causa do pensamento filosófico de alguns, a obediência às leis dos judeus e a idolatria aos ídolos pagãos, fez com que muitas pessoas buscassem um sistema que de algum modo combinasse todas estas doutrinas, tomando um pouco de cada uma.
De todas as diversas interpretações do cristianismo que apareceram no século segundo, nenhuma foi tão perigosa, nem esteve tão perto de triunfar, como o gnosticismo. Frente à gnose, o jovem cristianismo estava desarmado, pois os hereges gnósticos também se consideravam “ortodoxos”, visto que se baseavam nas escrituras.
A luta contra o gnosticismo foi uma das mais acirradas que a igreja teve que enfrentar em toda a sua história, mas que contribuiu para que a fé cristã fosse conhecida e desenvolvida (através dos polemistas e apologistas)contras heresias contemporâneas.

Capítulo 1
UMA VERSÃO GNÓSTICA


1.1-A Origem do Gnosticismo

É um tanto polêmico a origem do gnosticismo. Alguns eruditos acreditam que este tenha surgido com os povos árabes, outros atestam a sua origem nas filosofias orientais, outros acreditam que ele tenha tido seu inicio no judaísmo. O estudioso do Novo Testamento, Wilhelm Bousset, remontou as origens do gnosticismo às tradições babilônicas e persas, declarando categoricamente que o gnosticismo é um movimento pré-cristão. O filósofo Richard Reitzenstein sem descordar com este ponto, argumenta que o gnosticismo é uma ramificação da antiga religião iraniana, e que foi influenciado por antigas tradições do zoroastrismo.
A maioria dos pesquisadores na área do gnosticismo, afirmam em seus trabalhos que a gnosis é pré-cristã e que já existia no tempo de Paulo e que este a encontrou já existindo nas igrejas.
Elaine Pagels, que escreveu “Os Evangelhos Gnósticos”, diz que a maioria dos estudiosos hoje concorda que o que nós chamamos de gnosticismo foi um movimento muito difundido cujas fontes podem ser encontradas em diversas tradições.
Em uma pesquisa que busca a relação entre o gnosticismo e o cenário religioso da época, Elaine Pagels mostra que o catolicismo foi uma interação entre as formas gnósticas de cristianismo primitivo com as formas ortodoxas.
Podemos dizer que essa grande corrente “O Gnosticismo” pode ser dividida em duas partes: uma popular influenciada pelas antigas religiões, notadamente o Zoroastrismo-1400 Ac, que veio a influenciar o Catolicismo contribuindo com as crenças no céu, no inferno, na ressurreição dos mortos e no juízo final; e outra esotérica, de origem grega pelo Orfismo do VI séc.a.C., e o Neoplatonismo, através de Plotino, entre 204 a.C. e 70 d.C., doutrinas que professavam, entre outros aspectos, a purificação da alma para evitar futuros renascimentos.


1.2-A Filosofia Gnóstica

“Quem sou, de onde vim e para onde vou”.
a) Os gnósticos acreditam que a salvação só pode ser alcançada através do conhecimento. Não apenas conhecimento intelectual, mas o conhecimento do “Eu”, de sua natureza, e de seu destino. Este conhecimento da origem da alma e de sua condição neste mundo serve para ajudar-nos a se libertar-nos de todas as ilusões que compõem o mundo físico, e é esta consciência que a gnose traz para o homem.
b) Conforme os gnósticos acreditam, o mundo material é um calabouço criado pôr um demiurgo(deus inferior e imperfeito), no qual o homem se encontra adormecido pelas ilusões daquilo que ele entende como vida, ou seja, o mundo físico, impedindo o homem de manifestar sua nobre origem. Para os gnósticos, a ignorância é a fonte de todo mal, para se libertar deste mal, o homem precisa tomar posse do conhecimento, que representa o único meio para voltar à sua condição de perfeição.
Uma pergunta que parecia confundir os lideres de diversas seitas era de como Deus em toda a sua perfeição, teria permitido que o mal entrasse em sua criação. Criou-se então o mito da queda. c) Mas os gnósticos acreditam que a queda não aconteceu com Adão e Eva, relato este encontrado em Gênesis, mas que a queda teria se dado antes da criação do mundo, quando o Ser Eterno e gerador de tudo teria produzido emanações conhecidas como Eons, que por sua vez iam produzindo mais eons, distanciado se estes cada vez mais do Pai, e tornando através da ignorância o erro inevitável e criando assim a matéria.
Em relação à qual religião possui a verdadeira revelação, os gnósticos defendem a tese que o mesmo principio alimenta todas as religiões, com ensinos de diversas maneiras, que quando assimilado pelo adepto, leva-o ao mesmo lugar dos demais de diferentes crenças. Assim não haveria problema nenhum em adotar ensinamentos de outras seitas, pois o que importa não é crenças pessoais, mas sim a busca do ensinamento verdadeiro. Para os “Perfeitos”, nome pelo qual eram conhecidos os iniciados, o caminho que leva para a libertação é pessoal, e por isso com características individuais, sendo o sistema apenas o provedor dos ensinamentos básicos, cuja compreensão era essencialmente libertária.


1.3-Divergencias entre Gnósticos e Ortodoxos


O gnosticismo, diferente da Madre Igreja, não oferecia a salvação coletiva através de um messias, pois isto não pode ser oferecido, mas sim conquistado pelo esforço pessoal através da auto-gnose. Para os gnósticos a morte de Jesus na cruz, mostra nos um caminho para a libertação, não a salvação da humanidade. Este foi um dos motivos de divergências entre os cristãos gnósticos e os cristãos ortodoxos, que resultou na expulsão dos gnósticos da igreja, pois os gnósticos acusavam a Igreja de se desviar dos objetivos sagrados em favor de sua própria expansão.
A Igreja Católica, através de seus concílios e ensinamentos do Velho Testamento, foi cada vez mais dominando o cristianismo puro de Jesus e se tornando uma igreja judaica-cristã.
O dogmatismo criado através de uma organização hierarquizada, que se autodenominava representante de Deus na terra, através de seus clérigos, procurou nivelar as consciências, como se o homem fosse um ser não passível de evolução. Enquanto os gnósticos buscavam qualidade, os ortodoxos buscavam quantidade, e os que se rebelassem sofriam punições terríveis, como a “Santa Inquisição”, pois tal organização jamais iria abrir mão da sua representatividade, pois sem ela, provavelmente não teria sobrevivido.
Um outro ensinamento gnóstico que representava perigo para a igreja era sua concepção sobre o Cristo que, para os gnósticos, era um ser espiritual, e não uma pessoa comum dotada de carne e osso, conceito este que foi combatido pela igreja e veria então seu líder ser transformado num mito.
Os gnósticos acreditavam que havia uma verdade oculta(gnóstica)nas palavras de Jesus, apenas compreensível para aqueles que tinham “ouvidos para ouvir”, expressão esta de Jesus para mostrar qualidade especial de certos homens, ou seja, verdadeiros gnósticos, nascidos em condições diferentes dos demais seres humanos.
Segundo os gnósticos os seres humanos não vinham ao mundo em condições básicas de igualdade, eles são divididos em:
Os Hilicos ou materiais - eram aqueles de mentalidade carnal e terrena, ocupados somente com o mundo material.
Os Psíquicos – eram aqueles que viviam pela fé e pelas boas obras, mas que ainda estavam muito presos à ilusão material.
E os Pneumos – eram aqueles portadores da centelha divina e por isso os únicos capazes de entender a gnose e de, através do auto-conhecimento, abandonar a dualidade e alcançar a unidade com Deus. Pode parecer a principio que os pneumos eram privilegiados, mas era deles que se exigia mais, muito mais do que das outras ordens inferiores. “Daquele a quem muito se deu, muito será pedido, e a quem muito se houver confiado, mais será reclamado”(Lucas 12:48).
Um paralelo entre o que acreditavam os cristãos ortodoxos e os gnósticos seguidores de Valentino, um dos lideres moderados da época, e que até pretendia a união entre as duas facções, pretensão esta repudiada por Irineu e outros bispos, deixa mais claros suas diferenças:
Os cristãos ortodoxos: Os gnósticos valentinianos
Uma distancia enorme separa a humanidade de seu criador. Ele é completamente distinto de Sua criação. Negam essa distancia e afirmam que o conhecimento de si mesmo é conhecimento de Deus; o “eu”e o “divino”são idênticos.
Jesus fala em pecado e arrependimento. Jesus fala em ilusão e iluminação.
Jesus é o Senhor e o Filho de Deus, de uma maneira única e singular, permanece eternamente distinto do resto da humanidade que veio salvar. Jesus veio como um guia que abre o acesso para o entendimento espiritual, e quando o discípulo se ilumina, ele deixa de ser seu Mestre, pois ambos se tornam semelhantes.
Seguindo os tradicionais ensinamentos judaicos, todo sofrimento vem do pecado, que teria maculado uma criação originalmente perfeita. É a ignorância e não o pecado que leva uma pessoa a sofrer. A maioria das pessoas vivem na inconsciência. Sem jamais se tornarem cientes de si mesmas, elas não tem raízes. Os que vivem deste modo sofrem “terror, confusão,instabilidade, duvidas e desunião, sendo enredados por muitas ilusões”.
A paixão e a morte de Jesus como um sacrifício que redime a humanidade da culpa e do pecado. E a única chave para abrir o Paraíso é “o nosso próprio sangue”. A crucificação é o momento para descobrirmos a essência divina em nós mesmos. O “Testemunho da Verdade” declara que aquele que se alegra no martírio não sabem “que é o Cristo”. Cristo é um ser espiritual e apenas a sua natureza sofreu.
A ressurreição de Jesus e do cristão. A existência comum é morte espiritual. É necessário receber a ressurreição espiritual enquanto vivem.
Não é permitido a nenhuma mulher falar na igreja, nem é permitido que ensine ou que batize, ou que ofereça eucaristia. A mulher não pode ser padre “porque Nosso Senhor era homem. Entre alguns grupos gnósticos, as mulheres eram consideradas iguais aos homens, algumas ensinavam, outras evangelizavam e curavam.
A fé ortodoxa diz que o ensinamento original dos apóstolos é a norma e o critério, aquilo que se afastar é heresia. Os escritos gnósticos previam que o futuro propicia um aumento interrupto do conhecimento.
Os três evangelhos sinóticos do Novo Testamento, traçam uma biografia da vida de Jesus em ordem cronológica, fazendo dele o Messias esperado pelos judeus. Os gnósticos aceitavam os acontecimentos históricos como secundários, interessavam-se acima de tudo, pelo significado interior dos acontecimentos e parábolas.
Os ortodoxos concebiam o “Reino de Deus” literalmente, como se fosse um lugar especifico. O “Reino” simboliza um elevado estado de consciência.
Clemente diz que Deus delega sua autoridade para reinar a lideres e governantes na terra. Separar-se do bispo é separar-se da igreja e de Deus. Fora dessa igreja não há salvação- “Ela é a entrada para a vida”. Contra essas coisas os gnósticos declaram que, quando um homem se conhecer a si mesmo, e ao Deus que está acima da verdade, ele será salvo.
A autoridade da igreja é incontestável e é a base para a infalibilidade papal. O modelo gnóstico aproxima-se do modelo psicoterapeutico: ambos admitem a necessidade de orientação, como medida provisória apenas. O propósito de aceitar a autoridade é aprender a supera-la, aquele que se torna maduro não precisa mais de uma autoridade exterior.
Concebiam Jesus como Senhor, identificando-o como alguém exterior e superior aos seus discípulos. Quem alcança a gnose torna-se “não mais um cristão, mas um Cristo”. E quem esperava tornar-se Cristo, dificilmente poderia admitir que as estruturas institucionais da igreja, seus bispos e padres, seu credo e cânone, e seus ritos possuíssem a autoridade suprema.
Aquele que confessasse o Credo, aceitasse o ritual do batismo, participasse do culto e obedecesse ao clero, pertencia a igreja. Os gnósticos afirmavam que o que distingue a verdadeira da falsa igreja não é a sua relação com o clero, mas o nível de compreensão dos seus membros e a qualidade das relações que esses mantém entre si, unidos pela amizade e amor fraternal.

Concluindo, o pensamento gnóstico defendia a ampliação do auto-conhecimento, pois esta era a única forma de conhecer Deus. O objetivo final era a volta às origens ou, melhor dizendo, o retorno à Luz que nasce de si mesma. Daí partira o seu portador da fagulha divina, separando-se da Fonte primordial, ao passo que antes era um com Ela. Aprisionado no mundo material, o ser humano somente se libertando desta matéria, poderá ser chamado Filho de Deus, por isso é necessário que o cristianismo se torne esotérico para compensar a perda de sua substancia espiritual na organização institucional, social e dogmática da igreja.

Capítulo 2
A LITERATURA GNÓSTICA


No ano de 367 d.C., o mundo cristão estava em guerra consigo mesmo.Foi nesta época que chegou à comunidade monástica de Tabinnisi, próxima ao Nilo, a ordem para que Teodoro, diretor da comunidade, lê-se a 39a Carta Festal de Athanasius, bispo de Alexandria. Nesta carta ficou definido o esqueleto literário da igreja, com a elaboração do cânon, do qual o escrito que não fizesse parte (apócrifos, ou melhor, dizendo, não autentico)seria considerado como heresia.
Aproximadamente no momento em que se transmitia esta carta de Athanasius, bispo que era conhecido por seu dom de introduzir o ódio e o medo nos não ortodoxos, um grupo de pessoas decidiu enterrar numa vasilha de argila vermelha 13 livros atados com couro que tinham 46 textos diferentes e apócrifos.
Em dezembro de 1945, três filhos de Ali e Umm-Ahmad, do clã al-Samman, Mohammed, Khalifa e Abú al-Majd estavam trabalhando perto de al-Qasr, povoado situado a 6 km de Nag Hammadi, na estrada principal que conduz ao Cairo. O irmão mais novo, Abú, desenterrou a vasilha perto de uma pedra e o irmão Mohammed, dez anos mais velho, assumiu o descobrimento. A principio pensaram que contivesse algum espírito maligno, mas depois quebrando a vasilha perceberam que seu conteúdo dizia a respeito ao povo cristão, com isso se desinteressaram e queimaram alguns, mas outros foram vendidos.
Devido a motivos políticos e religiosos os documentos permaneceram ocultos até o ano de 1977, quando se publicou pela primeira vez a biblioteca de Nag Hammadi.
Se Mohammed Ali fosse capaz de ler copto, a língua do antigo Egito escrito em letras gregas, talvez tivesse atentado para o seguinte parágrafo, mudando quem sabe, o destino dos apócrifos: “Te darei o que nenhum olho jamais viu, o que nenhum ouvido jamais escutou, o que nenhuma mão jamais tocou e o que nunca foi pensado por nenhuma mente humana”

2.1-O Evangelho de Filipe


Foi possivelmente escrito em grego antes do terceiro século. O exemplar encontrado entre os textos da biblioteca de Nag Hammadi é uma tradução para o copto, provavelmente efetuada no quarto século.
Ao contrário dos evangelhos canônicos, o Evangelho de Filipe não contem uma narrativa sistemática da vida e ministério de Jesus em ordem cronológica. Ele segue a linha da tradição oral de relatar, independente do contexto histórico.
Dentre os ditados de Jesus em Filipe, nove são encontrados também, com algumas variações, nos evangelhos canônicos e oito são originais. As linguagens destes ditados são geralmente enigmáticas, por isso sua interpretação requer o conhecimento de simbologia usada pelos grupos gnósticos daquela época.
O que torna o evangelho de Filipe especialmente importante são as inúmeras passagens sobre os sacramentos que teriam sido instituídos por Jesus antes de terem sido adaptados pela igreja. Segundo a tradição esotérica, aqueles sacramentos eram ministrados somente aos discípulos do circulo interno(aos poucos). Apesar do caráter oculto dessas passagens, elas oferecem ao estudioso uma clara indicação dos paralelos que existem entre cinco grandes iniciações, as etapas da vida dos místicos e os sacramentos.

2.1.1- Citações do Evangelho de Filipe


Um hebreu faz outro hebreu, e tal pessoa chama-se prosélito. Mas, um prosélito não faz outro prosélito (...) assim como eles (...) e fazem outros como a si mesmos, enquanto (outros) simplesmente existem.
O escravo só quer ser livre e não ambiciona adquirir os bens de seu senhor. Porem o filho não é somente um filho, pois reclama a herança do pai. Os que herdam dos mortos estão eles mesmos mortos e herdam os mortos. Os herdeiros do que é vivo estão vivos e são herdeiros tanto do que está vivo como do morto. Os mortos não são herdeiros de nada. Pois como pode aquele que está morto herdar? Se aquele que está morto herda o que é vivo ele não morrerá, mas o que está morto viverá ainda mais.(pág 141)
Cristo veio para resgatar alguns, salvar outros e para redimir ainda outros. Ele resgatou os forasteiros e fê-los seu. E colocou os seus separados, aqueles que havia dado como garantia segundo seu plano. Não foi só quando apareceu que Cristo ofereceu voluntariamente sua vida, mas ofereceu-a voluntariamente desde o dia em que o mundo surgiu. Então, ele veio primeiro para toma-la, pois ela havia sido dada como garantia. Ela havia caído em mãos de ladrões e foi feita prisioneira. Mas Ele a libertou, resgatando as pessoas boas do mundo assim como as más.
Alguns dizem que Maria concebeu por obra do Espírito Santo. Mas eles estão enganados. Não sabem o que dizem. Quando uma mulher alguma vez concebeu por obra de outra mulher? Maria é a virgem que nenhum poder conspurcou. Ela é uma grande anátema para os hebreus, que são os apóstolos e (os) seus seguidores. Esta virgem que nenhum poder violou (...) os poderes violaram a si mesmos. O Senhor não (teria) dito “Meu (Pai que está nos) céus”(Mt 16:17) se não tivesse outro pai. Neste caso, teria dito simplesmente “(Meu Pai)”.(pág 142)

2.2-O Evangelho de Tomé


Foi escrito em meados do primeiro século, portanto ele é um dos documentos mais antigos de nossa tradição cristã, já que os quatro Evangelhos incluídos na Bíblia foram escritos provavelmente entre os anos de 80 e 120 de nossa era.
Os estudiosos acreditam que as versões dos ditados de Jesus encontradas em Tomé seriam, em geral, versões mais originais do que a dos evangelhos canônicos, que teriam sofrido modificações dos copistas ao longo dos séculos.
Sua autoria é atribuída a Tomé, que é chamado de “irmão gêmeo” de Jesus, por ser um discípulo que teria alcançado um estado de realização interior que o tornava um gêmeo espiritual do Salvador.
O estudo meditativo dos ensinamentos de Jesus contidos no Evangelho de Tomé pode ser altamente revelador para todo cristão desejoso de conhecer os ensinamentos esotéricos do Mestre.

2.2.1-Citações do Evangelho de Tomé


(126)(1)Estes são os ensinamentos (logia) ocultos expostos por Jesus, o vivo, que Judas Tomé, o gêmeo, escreveu.
(1) E ele disse: “Quem descobrir o significado interior destes ensinamentos não provará a morte”.
(2) Jesus disse: “Aquele que busca continue buscando até encontrar. Quando encontrar, ele se perturbará. Ao se perturbar, ficará maravilhado e reinará sobre o Todo”.
(5) Jesus disse: “Reconheça o que está diante de teus olhos, e o que está oculto a ti será desvelado, pois não há nada oculto que não venha ser manifestado”.
(13) Jesus disse a seus discípulos: “Comparai-me com alguém e dizei-me com quem me assemelho”.
Simão Pedro disse-lhe: “Tu és semelhante a um anjo justo”.
Mateus lhe disse: “Tu te assemelhas a um filósofo sábio”.
Tomé lhe disse: “Mestre, minha boca é inteiramente incapaz de dizer com quem te assemelhas”.
Jesus disse: “Não sou teu Mestre. Porque bebeste na fonte borbulhante que fiz brotar, tornaste-te ébrio. (128) E, pegando-o retirou-se e disse lhe três coisas. Quando Tomé retornou a seus companheiros, eles lhe perguntaram: “O que te disse Jesus?
Tomé respondeu: “Se eu vos disser uma só das coisas que ele me disse, apanhareis pedras e as atirareis em mim, e um fogo brotará das pedras e vos queimará”.
(15) Jesus disse: “Quando virdes àquele que não foi nascido de uma mulher, prostrai-vos com a face no chão e adorai-o: é ele o vosso Pai”.
(16) Jesus disse: “Talvez os homens pensem que vim lançar a paz sobre o mundo. Não sabem que é a discórdia que vim espalhar sobre a Terra: fogo, espada e disputa. Com efeito, havendo cinco numa casa, três estarão contra dois e dois contra três: o pai contra o filho e o filho contra o pai. E eles permanecerão solitários”.


Capítulo 3
UMA VERSÃO CRISTÃ SOBRE O GNOSTICISMO


3.1-Origem

É difícil estabelecer a origem do gnosticismo devido ao sincretismo das religiões que o compõe.
A tradição cristã associou a origem do gnosticismo com Simão Mago, aquele que havia revolucionado toda a cidade de Samaria com suas mágicas e trambiques, e impressionava tanto o povo, que este julgava como sendo o poder de Deus(At.8:9-24). A pós o arrependimento deste por ter tentado comprar o poder de conferir o Espírito Santo, não se fala mais nele nas escrituras, contudo, livros posteriores do primeiro século, falam dele sendo adorado como o deus supremo.
Ao lado deste deus supremo, os fiéis honravam uma deusa, Helena. Ela seria a primeira emanação da mente de Simão, da qual foram gerados anjos e poderes. Entre a relação de Simão com o gnosticismo não existe nada de concreto, o que se sabe é que ouve muitos tipos de gnose, embora seja mais correto que a sua origem seja na religião de Zoroastro, ela continha elementos da astrologia babilônica, uma visão dualista do universo, de origem persa, e uma doutrina de emanações de Deus, de raiz egípcia.
Embora pouco se saiba sua origem, o gnosticismo chegou ao seu momento de maior influencia por volta do ano 150 da era cristã.


3.2-Doutrina


O termo “gnosticismo” vem da palavra grega “gnosis”, que quer dizer “conhecimento”.
A gnose não é uma corrente filosófica, mas uma doutrina de salvação, que se baseia em revelações “pneumáticas” espirituais.
Apesar do sincretismo que faz parte da sua doutrina, o gnosticismo tem em comum o dualismo da matéria e do espírito como oposição eterna.
O gnosticismo surgiu do desejo humano de criar uma teodicéia, isto é, uma explicação para a origem do mal.
Dois problemas preocupavam os gnósticos: a criação e o mal. Se Deus é bom, como criou o mundo de onde vem o mal? Se não criou o mal, não é o criador único das coisas. Assim, as principais questões que a gnose pretendia resolver eram: De onde procede o mal do mundo? Como se originou a matéria? Como se unem, no homem, matéria e espírito? Como se liberta o espírito da matéria e volta para Deus?
Os gnósticos afirmam que originalmente toda a realidade era espiritual. O ser supremo não tinha intenção alguma de criar um mundo material, mas apenas um mundo espiritual. Com esse propósito foram criados vários seres espirituais. Cada mestre gnóstico oferecia uma lista distinta de tais seres, e alguns chegavam ate 365 seres distintos. Em todo caso, um destes seres espirituais, distante do ser supremo, foi o causador deste mundo. Segundo eles, um ser espiritual chamado Sofia ou Sabedoria quis produzir algo por si só, e o resultado foi um “aborto”. Dizem eles que este é o nosso mundo: um aborto do espírito, e não uma criação de Deus. Para responder estas questões os gnósticos criaram um sistema complicadíssimo que diz existir um reino de luz, que é o Deus bom(Pleroma) e o das trevas que é o da Matéria eterna. Entre estes dois há um numero incalculável de graduações, que chamam de Eões. A união dos Eões formava o Pleroma ou plenitude da inteligência. Estas emanações eram seres com pouco espírito e muita matéria. O demiurgo, como uma destas emanações, tinha bastante espírito em si para ter um poder criativo e o bastante da matéria para criar o mundo material. Os gnósticos identificavam o demiurgo com o Javé do Velho Testamento.
Usando este sistema, os gnósticos fazem de Cristo um Eão superior enviado por Deus para revelar aos homens o Deus supremo e verdadeiro até então desconhecido e lhes ensinar como se libertar da matéria. Esse Eão apoderou-se de Jesus no momento em que ele foi batizado no Jordão, daí em diante sua mente se iluminou e ele compreendeu que sua missão era levar aos homens a verdadeira gnose, ou seja, o conhecimento que é o Evangelho, para libertar os homens da matéria(redenção) e voltarem à plenitude do Deus-Pleroma.
Os gnósticos dizem haver categorias entre os homens que se dividem em três: os hílicos são os pagãos, os materiais. Estes serão eliminados com a matéria; os psíquicos ou anímicos, são os cristãos ordinários, em quem a matéria e o espírito estão equilibrados mais ou menos. Estes gozarão uma felicidade limitada; e os espirituais ou gnósticos, os instruídos, em quem a matéria é dominada totalmente pelo espírito de Deus. Só este homem gnóstico recebe a salvação, pois ele tem em si mesmo a centelha divina originária que é despertada através de um processo de conhecimento, através do qual a alma do gnóstico toma consciência da sua verdadeira natureza.
Afastando assim o Deus supremo do contato com a matéria, eles não admitem que o espírito divino se una à matéria, negando toda a possibilidade de encarnação. Por isso, Jesus é para eles, o homem celeste. Que o filho de Deus tenha se feito carne, tenha sofrido, morrido na cruz, é loucura e absurdo para eles, e totalmente escandaloso a idéia que Deus tivesse se tornado semelhante a nós.
Para interpretar Cristo, eles adotaram a doutrina conhecida como Docetismo. A palavra veio de um termo grego, dokeo, que significa parecer. Como a matéria era má, Cristo não podia ter um corpo humano apesar de a Bíblia dizer ao contrario. Como bem espiritual absoluto, Cristo não se misturava com a matéria. O homem Jesus era ou um fantasma com a aparência de corpo material(docetismo) ou Cristo tomou o corpo humano de Jesus apenas por pouco tempo, entre o batismo do homem Jesus e o começo de seu sofrimento na cruz. Cristo deixou, pois, o homem Jesus morrer na cruz. Negavam assim as principais doutrinas cristãs: a criação, a encarnação, a ressurreição, etc.
Capítulo 4
COMBATENDO O GNOSTICISMO


4.1-Advertências dos Apóstolos contra a doutrina gnóstica

Os escritos mais tardes introduzidos no cânon do Novo Testamento, contem advertências claras contra a doutrina gnóstica que estava se infiltrando dentro da igreja.
Os escritos de Paulo usa certos jargões gnósticos como: conhecimento e pleno conhecimento, e o contraste violento entre carne e espírito(Rm.8:22-25)o conceito de Cristo como vitorioso sobre principados e potestades que são os dominadores deste mundo tenebroso(Col.1:16;2:15;Ef.6:12), e a idéia do Cristo como “Homem do Céu”(1Cor.15:47), fizeram de Paulo o principal apóstolo dos gnósticos.
É usando estas próprias palavras(gnósticas) é que Paulo adverte a comunidade, principalmente a igreja da Ásia Menor, para não se deixar cativar por esta doutrina gnóstica, e contra este grupo de pessoas ele se dirige em 1Cor.1:20-27: “Onde está o sábio? Onde está o homem culto? Onde está o argumentador deste mundo? Por acaso, Deus não tornou louca a sabedoria deste mundo? De fato, quando Deus mostrou a sua sabedoria, o mundo não reconheceu a Deus através da sabedoria. Os judeus pedem sinais e os gregos procuram a sabedoria; nós, porém, anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos(...). A loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens(...). Mas, Deus escolheu o que é loucura no mundo, para confundir os sábios; e Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é forte”.
Contra a doutrina gnóstica os apóstolos escreveram sobre aqueles que negam a ressurreição(1Cor.15:12), alguns que se entregam a especulações ambiciosas e se comprazem em genealogias fantásticas(Tito 3:9), em fábulas hábilmente inventadas(2 Pedro 1:16), e aqueles que negam a encarnação(1Joao 4:2-3). E 2Jo.7 afirma: “Porque muitos sedutores, que não reconhecem Jesus como Messias encarnado, espalharam-se pelo mundo”; “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”(Jo 1:14), “O que era desde o principio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida(1Jo.1:1), todos estes escritores combateram a negação que os gnósticos faziam da encarnação.


4.2-Os bispos combatem as heresias gnósticas

Foi no final do primeiro século em diante que o gnosticismo atingiu o seu ápice, a partir daí, foi travada uma verdadeira batalha que duraria até o final do século segundo.
Os bispos da Ásia Menor lutam contra esta heresia que estava tomando espaço dentro da igreja, a começar por Inácio de Antioquia que defendeu a eficácia e a consistência da encarnação: “um só médico, carne e espírito, gerado e não gerado, Deus feito carne, Vida verdadeira no seio da morte, nascido de Maria e nascido de Deus, passível e impassível, Jesus Cristo, nosso Senhor”.(Carta aos Efésios, VII). Para desviar de vez os fieis da influencia gnóstica, advertia: “Torna-te surdo quando te falam de um Jesus Cristo fora daquele que foi da família de Davi, filho de Maria, nasceu autenticamente, comeu, bebeu, padeceu verdadeiramente sob o poder de Poncio Pilatos, foi crucificado e morreu verdadeiramente(...) De que me valeria estar em cadeias, se Cristo sofre somente na aparência, como certos pretendem? Esses, sim, não passam de meras aparências”(Cartas aos Tralianos, IX-X).
Orígenes, no tratado Contra Celso, indica fontes para se conhecer melhor a gnose. Tertuliano, por sua vez, não se cansa de dar combate aos gnósticos dizendo que os hereges não tem direito de entrar em discussão com os ortodoxos, e que as Escrituras são propriedade da igreja, e por isso os hereges não tem direito algum de usá-las. Contra eles Tertuliano escreveu: A prescrição dos heréticos, Contra Marcião, Contra os valentinianos, Contra Hermógenes.
Irineu de Lyon conhecido como polemista anti-gnóstico, combateu a gnose de um modo global, em sua volumosa obra “Contra as Heresias”. O livro I, que é fundamentalmente histórico, é a melhor fonte de informação sobre os ensinos dos gnósticos. Era uma polemica filosófica contra Valentino, o principal representante do gnosticismo. No livro II, ele insiste na unidade de Deus em oposição a idéia gnóstica de existência de um demiurgo distinto de Deus.
Irineu, em uma das sua obras, diz respeito a Saturnino que viveu por volta do ano 120.
“Saturnino era antioquiano. Pensava...que há um Pai absolutamente desconhecido que fez anjos, arcanjos, virtudes e potestades; o mundo, porém, e tudo quanto nele existe, foi feito por anjos em numero de sete(...). O salvador, conforme Saturnino, não nasceu, não teve corpo nem forma, mas foi visto em forma humana, apenas em aparência.(...)Cristo veio para aniquilar o Deus dos judeus e para salvar os que nele mesmo acreditassem(...)o salvador veio para destruir os demônios e os perversos, salvando os bons. Mas, ainda segundo Saturnino, casar-se e procriar filhos é obra de Satanás”.
Outro texto de Irineu, fala de Basilides, que viveu por volta de 130. Seus ensinos foram divulgados por seu discípulo Valentino. Irineu disse a respeito de Basilides: “Basilides ensina também que a salvação só concerne à alma, pois o corpo é naturalmente corruptível. As profecias em si mesmas provieram dos príncipes que fizeram o mundo. A lei foi dada pelo príncipe que tirou os israelitas da terra do Egito. Basilides prescreveu ainda a perfeita indiferença para com as coisas imoladas aos ídolos, permitindo que as usemos sem temor; igualmente quer que consideremos como matéria absolutamente inocente as sensualidades de toda classe”.
E a respeito do gnóstico Cerinto, que viveu no final do primeiro século, Irineu afirmou: “...pensou que o mundo foi feito não pelo Deus Supremo, mas por alguma Virtude muito afastada e separada do príncipe que esta acima de todas as coisas e cuja sabedoria absoluta é reconhecida por tal Virtude. Acrescenta que Jesus não nasceu de virgem, mas que foi filho de José e Maria, à maneira comum, embora seja superior aos demais em justiça, prudência e sabedoria. Após o batismo de Jesus, Cristo desceu sobre ele em forma de pomba, procedendo do Príncipe que está sobre todas as coisas. Depois disso Jesus revelou o Pai incógnito, realizando atos de poder. No fim, porem, Cristo retirou-se, deixando Jesus abandonado: o homem Jesus sofreu sozinho e ressuscitou; porém, Cristo permaneceu impassível como convinha à sua natureza espiritual”.


Conclusão

O gnosticismo, embora não tenha surgido na era cristã, foi nela que alcançou seu maior progresso.
Com a expectativa de tentar explicar a origem do mal, eles acabaram por negar todos os ensinamentos de Cristo,
Com sua visão dualista, eles negaram a encarnação de Deus, afirmando que Jesus não poderia ter corpo humano pois a matéria é má.
Embora pouco se fale hoje sobre gnosticismo, eles apresentaram grande perigo aos pais da igreja com a doutrina que absorvia também os ensinamentos de outras religiões.
Mas os apóstolos e posteriormente os bispos resistiram firmes a tais lideres gnósticos, que queriam que sua doutrina fosse introduzida na igreja.
Para se defender de tais heresias se levantaram grandes homens que, baseados na palavra de Deus, provaram que o cristianismo autentico é aquele que aceita que Jesus veio em carne, nascido de mulher, que morreu, ressuscitou e voltará para buscar sua igreja, que prega a verdade revelada por Ele através da Bíblia.

4 comentários:

  1. Caro Prof. Luis Felipe,
    ao navegar na Net, deparei-me com o seu blog e com essa rica dissertação sobre o Gnosticismo primitivo. Quero parabeniza-lo por tão vasto conhecimento, e pedir a vossa permissão, ou seja, estou a terminar a graduação em Teologia, e vou fazer o TCC sobre o Gnosticismo, e desde já gostaria de pedir a sua permissão para usar alguns trechos desse nobre artigos. Desde já lhe agradeço e um abraço.

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  2. Prof.Luis Felipe,O senhor não conhece abslotamente nada de Gnose.Nunca vi tantas idiotices juntas.Vá se informar!!!

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  3. A gnose é uma escola iniciática. Isto quer dizer que os ensinamentos ocultos não são dados a quem "ainda se
    alimenta de leite" Hb. 5:13.
    "Mas o mantimento sólido é para os perfeitos, os quais,em razão do costume, têm os sentidos exercitados para discernir tanto o bem como o mal"
    Hb. 5:14

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