sexta-feira, 22 de maio de 2009

BÁRBAROS - MONASTICISMO OCIDENTAL E GREGÓRIO MAGNO

GREGÓRIO MAGNO
O PRIMEIRO PAPA MEDIEVAL



A sua consagração como o bispo de Roma divide o período antigo história da Igreja do período medieval. A Igreja Católica vê o período entre 500 e 1000 como a era de outro da história humana. Ele foi o intérprete de Agostinho para a idade média, com ênfase eclesiástica e sacramental. Puçá originalidade, expôs o sistema teológico do ocidente em harmonia com o cristianismo popular.

Gregório tornou-se o símbolo do novo mundo medieval em que a cultura foi institucionalizada dentro da Igreja dominada pelo bispo de Roma.

Gregório (540 – 604), geralmente chamado O Grande, nasceu nos turbulentos tempos em que o Império oriental sob Justiniano buscava reconquistar a metade ocidental do Impe’rio que fora perdida para as tribos teutãs. Pilhagens, doenças e fome estavam na ordem do dia.

De família tradicional, nobre e rica em Roma, recebeu uma educação jurídica para se preparar para a vida pública, estudou latim, familiarizado com Ambrósio, Jerônimo e Agostinho, conheceu pouco da literatura clássica ou filosófica de Roma. Foi escolhido prefeito de Roma em 573, uma posição importante. Logo depois disto, abandonou a fortuna que herdara do pai – a mãe Silvia, entrara para um convento após a morte do esposo – usou os lucros para construir sete mosteiros na Itália, dos quais o mais importante erigido no palácio do pai, tornou-se então monge ali. De 579 a 585, sem falar grego foi embaixador do bispo de Roma em Constantinopla, Depois de sua volta a Roma, foi escolhido abade do mosteiro de Santo André, que ele fundara após a morte do pai.

Tornou-se monge porque entendia que o ascetismo era uma forma de glorifica a Deus. Quando o papa Pelágio morreu, atacado por uma epidemia, em 590, Gregório foi escolhido para substituí-lo.

Seu epitáfio foi Cônsul de Deus, foi um dos gigantes da Igreja Romana, por ter renunciado a grande riqueza impressiona a sua geração, humilde, via-se como o servo dos servos de Deus. Missionário zeloso foi responsável pela conquista dos ingleses para o cristianismo, Sua formação fez dele um administrador dos mais competentes da igreja, mas era infelizmente supersticioso e crédulo. Ampliou o poder de bispo romano, embora não reivindicasse o título de papa, exerceu todos os poderes e prerrogativas dos papas posteriores. Mesmo quando contestou o título de bispo universal de João, o Jejuador, patriarca de Constantinopla, e para isto se aliou a Focas, usurpador do trono, não aceitou de ser chamado de papa universal mas sim de “servo dos servos de Deus”, por outro lado não permitiu que outro ostentasse este título. Como interessado na obra missionário, enviou a Agostinho, não o de Hipona, para a Inglaterra e lá trouxe os ingleses ao cristianismo e subordinou esta igreja a Roma.

Além disto tornou o episcopado de Roma um dos mais ricos da Igreja de sua época, por ser excelente administrador. Com este dinheiro foi capaz de juntar tropas e forçar o governante Lombardo a aceitar a paz e ganhou-o do arianismo.

Foi, mas há falta de documentação contemporânea, o organizador do canto gregoriano. Foi um grande pregador, apresentado uma mensagem de desafio para o tempo de crise em que viveu. Seus sermões eram práticos e salientavam a humildade e a piedade, embora grandemente prejudicados por um uso excessivo de alegoria, um erro comum na época.

Além dos sermões escreveu um comentário sobre o Livro de Jó, ele propõe uma interpretação moral e recorre à alegoria , pinta Jó como um tipo de Cristo, sua esposa como um tipo de natureza carnal, os 7 filhos como tipos de clero e as 3 filhas como tipos dos leigos fiéis. Era ta respeito como professor na Igreja Ocidental que é representado sempre com uma pomba, símbolo do Espírito, pousada em seu ombro e comunicando-lhe a verdade divina nos ouvidos.

Foi um teólogo destacado. Colocou os fundamentos da teologia romana até Aquino, Cria que o homem era um pecador por nascimento e escolha, mas discordava da doutrina agostiniana ao afirma que o homem não herdava a culpa de Adão mas apenas o pecado, como uma doença a que todos estão sujeitos, Sustentava que a vontade era livre e que apenas sua bondade fora perdida. Aceitava a predestinação limitando-a porém aos eleitos, não via a graça como irresistível.

Defendia a idéia das boas obras e aceitava a do purgatório como um lugar onde as almas seriam purificadas antes de sua entrada nos céus. Sustentava a inspiração verbal da Bíblia mas estranhamente dava a tradição o mesmo papel da Bíblia. Gregório ensinou as boas obras e a invocação dos santos para conseguir sua ajuda.

A sua teologia é agostiniana, mas com ênfase diferente, expande todas as tendências eclesiásticas de Agostinho e o material colhido do cristianismo popular. Milagres, anjos e o diabo ocupam no sistema de Gregório um lugar de muito maior destaque do que lhes coube no de Agostinho. Sistematizou a doutrina e fez a Igreja uma potência na área política

MONAQUISMO - DOS PRIMÓRDIOS AO SÉC. VII - INÍCIO
Por Maria Ester Vargas
INTRODUÇÃO
O objeto do presente estudo é o monaquismo, que constitui o grande alicerce para a expansão do Cristianismo à escala mundial. Não é nosso propósito desenvolver este tema relativamente ao período do seu grande apogeu - Idade Média -, mas sim referir-nos às suas origens e seus antecedentes, de modo a podermos compreender melhor como se chegou a um período tão áureo na vida monacal medieval. Debruçar-nos-emos, pois, sobre o tempo em que o Monaquismo nasceu, à margem da Igreja oficial, que tinha dificuldade em reconhecer o valor e a utilidade que os mosteiros poderiam ter na expansão e afirmação do ideal Cristão, 1 por suspeitar que eles espalhavam doutrinas duvidosas, para depois ir ganhando terreno no seu seio, transformando-se num meio imprescindível na afirmação da doutrina de Cristo.
Focaremos, igualmente, a evolução e o percurso do monaquismo, primeiro no Médio Oriente, seguindo-se o Norte de África e, finalmente, a Europa Central e Ocidental. Tentaremos demonstrar a importância e o contributo das principais Regras que ajudaram a fornecer bases bem precisas para "uma vida monástica mais consistente"2.
Em capítulo detalhado, desenvolveremos com maior pormenor a questão do monaquismo nas Ilhas Britânicas, com especial relevo para o monaquismo celta, que teve características próprias e bem definidas.
Tentaremos demonstrar que a Cristianização das Ilhas Britânicas não foi um processo pacífico, e que a uma determinada altura estabeleceu o caos e a confusão, devido à coexistência de várias correntes da vida monástica: a Celta e a de Roma.
Deter-nos-emos no Sínodo da Whitby (673), do qual resultou "a unificação religiosa da Inglaterra sob a orientação de Roma"3, embora tenham persistido ainda alguns redutos do Monaquismo Celta, sobretudo na Irlanda.
Escolhemos este fato por considerarmos que ele culmina um período bem demarcado do Monaquismo Ocidental - o seu nascimento e implantação, que será fundamental para o período de grande apogeu da vida dos mosteiros que se lhe seguiu e que, inclusivamente, originou a criação e a difusão de novas ordens monásticas.
Quanto à metodologia de trabalho utilizada, a mesma teve por base bibliografia variada e que é indicada em secção própria, de modo a possibilitar o confronto de ideais e a superação de lacunas que uma visão unilateral obrigatoriamente teria.
Esperamos que o nosso estudo ajude a uma reflexão e a uma sistematização sobre a maneira que os homens encontraram de chegar a Deus, tentando atingir a perfeição, meditando, alheando-se das coisas terrenas através da oração, humildade e obediência. A esse modo de vida religiosa se chamou MONAQUISMO
CONCEITO DE MONAQUISMO
Ao depararmos com o temo Monaquismo, de imediato nos surge a idéia de isolamento e de alheamento do mundo. Com efeito, o Monaquismo é um sistema de vida de consagração à causa divina, que tenta chegar a Deus passando pelo recolhimento e uma vida de dedicação e interiorização.
A esta palavra associa-se uma outra - monge -, que deriva do grego monos, (único, só). Etimologicamente, designa aquele que vive solitário, dedicando a sua vida ao serviço de Deus, dedicação essa assumida livremente e que pressupõe o cumprimento das normas estabelecidas numa Regra, baseando-se sempre nos conceitos de castidade, pobreza e obediência.
Embora tenha assumido formas diferentes, como iremos verificar, o que é certo é que o Monaquismo tem sido uma constante na vida de várias religiões, à partida completamente díspares (ex: Monaquismo Budista versus Monaquismo Cristão), revelando-se acima de tudo como "algo universal e inerente à condição dos fiéis que pretendem desenvolver a sua vida espiritual no sentido da perfeição"4.
ORIGENS DO MONAQUISMO CRISTÃO
Desde os primórdios da Cristandade que os ideais livremente assumidos de virgindade e castidade em louvor do Reino de Deus foram motivo de admiração. Essa escolha era feita "por fiéis de ambos os sexos que abraçaram uma vida de plena imitação de Cristo e que, para além dos votos referidos, praticavam a oração e a mortificação paralelamente com obras de misericórdia"5.
Como causas deste procedimento, poderemos referir a "repugnância pela imoralidade reinante"6 e, sobretudo para as mulheres, o facto de esse tipo de vida lhes proporcionar uma certa emancipação, tendo em conta a servidão social que o matrimônio assumia na época.
É curioso realçar o facto de, na maior parte dos casos, estes votos serem feitos sem quaisquer solenidades públicas, permanecendo as pessoas no seio das suas famílias, não tendo vestuário que os distinguisse das outras pessoas.
A partir do século IV começou a ser habitual a realização de um ritual de consagração das virgens, - o velario -7 que costumava ter lugar nas grandes festas litúrgicas e na presença de fiéis.
Este tipo de consagração a Deus foi-se generalizando cada vez mais, tornando-se quase numa moda, sobretudo nos meios aristocráticos. A ilustrar esta afirmação, poderemos citar o exemplo de Paulino de Nola e Terásia, casal da nobreza imperial romano-cristã, que "se desfizeram de patrimônios imensos e assumiram uma existência de fiéis discípulos de Cristo, segundo os ensinamentos do Evangelho"8. Importante se torna referir aqui a figura de São Jerônimo, que dirigiu espiritualmente os círculos ascéticos de nobres senhoras romanas, primeiro em Roma e depois na Palestina9.
As "virgens consagradas" terão sido, na nossa opinião, o embrião da vida monástica, uma vez que a sua práxis tinha a ver com a renúncia do mundo pelo ideal de Cristo, para além do fato de já possuírem uma forma de vida consagrada, ainda que muito incipiente.
MONAQUISMO ORIENTAL
Mas onde, e quando, terá sido a origem do fenômeno normalmente designado por Monaquismo, ou Monacato, se utilizarmos a terminologia de Fortunado de Almeida10?
Ao certo, não se sabe. É comum designar-se monge aquele que segue uma Regra antiga, mas o que é certo é que, muito antes de se terem estabelecido Regras, já havia formas de vida monástica baseadas na segregação do mundo - o contemptus saeculi -, como condição prévia para a purificação interior, abrindo o caminho da contemplação divina11.
João Cassiano, que depois de passar muitos anos entre os monges da Palestina, Egito e Constantinopla se estabeleceu na Provença e fundou dois mosteiros em Marselha, onde permaneceu o resto da sua vida, considerava que o Monaquismo já vinha do tempo dos Apóstolos12. Outros apontam para a época de Jesus. J. Allegro, no seu livro O Mito Cristão e os Manuscritos do Mar Morto aponta para o estudo dos documentos encontrados já neste século nas margens do Mar Morto e que dão testemunho da vida monástica (essénios e terapeutas) na época de Jesus Cristo, e que teriam influenciado os primeiros Cristãos. Estas comunidades espalharam-se até à Tebaida e parece ter sido nessa região - fronteira entre a Ásia e a África -, que a tradição diz ter nascido o Monaquismo Cristão13.
Com a promulgação da liberdade de culto e religião decretada pelo Édito de Milão de Constantino, ser Cristão passou a não comportar os riscos de outrora,
Alguns, desejando levar uma vida mais fervorosa, menos enredada nas preocupações do mundo, partiram para o deserto praticando aí uma vida de pobreza e humildade de acordo com os preceitos do Evangelho, tendo sido designados por Padres do Deserto.
A maior parte vivia isolada, por vezes com alguns discípulos à volta de um mestre, só voltando a encontrar-se com a comunidade para a celebração da liturgia. Muito pouco se sabe sobre a sua vida, que apenas veio até nós através dos Apotegmas - textos que nos relatam os seus atos através das suas palavras e que nos apresentam homens submetidos à tentação que se dedicam a viver o ideal de perfeição ensinado por Jesus14.
Como expoente e símbolo deste tipo de vida monástica apelidada de anacoreta ou eremita, temos Santo António do Egito, também conhecido por Santo Antão, que influenciou diretamente através do seu próprio exemplo, e indiretamente através do espírito, um grande número de aderentes ao anacoretismo, o qual se revestia de duas formas: absoluto, (solidão total) e temperado (sob a direção de um "pai" espiritual)15.
Graças à sua ação, esta forma de Monaquismo espalhou-se pelo alto Egito, Palestina, indo até à Síria e à Mesopotâmia.
Mas o anacoretismo não foi a única forma de vida consagrada existente nesta época.
São Pacómio, coevo de Santo António do Egito, trouxe ao Monaquismo novos elementos de grande importância - a vida em comum e a obediência a um superior religioso: cenobitismo16.
Ainda uma referência muito especial para o Cristianismo Copta que, de certa forma, foi uma conseqüência do Monaquismo Egípcio19. Graças à sua ação, O Cristianismo penetrou amplamente nas populações de camponeses de língua copta, principalmente porque os monges eram na sua maioria gente de condição humilde. Desde os tempos de São Atanásio, eram apoiantes acérrimos dos Patriarcas de Alexandria, a quem apelidavam de chefes religiosos e nacionais. Após o Concílio de Calcedônia (451), os monges, desconhecedores das disputas teológicas, seguiram incondicionalmente os seus patriarcas e caíram na heresia monofisista, surgindo assim outra corrente Cristã desvinculada de Roma e de Constantinopla que se foi isolando cada vez mais, sobretudo desde a conquista islâmica do século VII, passando a ser conhecida por Cristianismo Copta20.
MONAQUISMO OCIDENTAL
Herdeiro das tradições orientais, o Monaquismo Ocidental teve um papel de extrema importância na consolidação do ideal cristão.
Na Grécia, foi São Basílio, bispo de Cesareia, quem desenvolveu e organizou a vida dos ascetas, tendo escrito algumas "Regras", que ainda hoje são observadas no mundo ortodoxo.
Aliás, a fundação de mosteiros no Ocidente está sempre ligada à elaboração de um conjunto de normas orientadoras na organização dos Institutos de Vida Consagrada, utilizando a terminologia do atual Código do Direito Canônico.
Santo Agostinho de Hipona foi outro nome deste período, escrevendo, igualmente, uma Regra que viria a obter grande sucesso na Idade Média. São Martinho de Tours notabilizou-se também, através da fundação de mosteiros, entre os quais se salientam os de Ligugé e Marmoutier. Referência ainda para os nomes de Columba e Patrício, grandes impulsionadores do monaquismo celta.
Primordial se torna falar de São Bento de Núrsia - "last but not least" -, cuja Regra iria reger durante vários séculos quase todos os mosteiros do Ocidente, tornando-se numa grande personagem, senão maior, entre aqueles que fundaram mosteiros e escreveram Regras, sendo justamente chamado "Pai dos Monges do Ocidente"21 e designado Patrono da Europa.
Para além de se basear nas suas próprias experiências recolhidas nos mosteiros que fundou e onde viveu (Subiaco e Montecassino), a sua Regra, estabelecida em meados do sec. VI, inspirou-se nas que então se praticavam: as de Pacómio, Agostinho e Cassiano.
Contudo, segundo Souther, R.W., no seu livro A Igreja Medieval, "parece hoje indiscutível que São Bento copiou quase literalmente grande parte da sua Regra, incluindo algumas das passagens mais famosas acerca do ensino espiritual, da Regra de um autor anterior conhecido como Mestre"22. De acordo com a fonte citada, as duas Regras apresentam no entanto algumas diferenças, entre as quais se salientam:
REGRA DO MESTRE REGRA DE SÃO BENTO
- muitas generalidades, com pouca prática; longas descrições da vida no Paraíso e de natureza monástica.
- aspectos demasiado particularizados para serem significativos:
Regulamentação acerca do tossir, cuspir e respirar pelo nariz por forma a não ofender os anjos.
- revela espírito impetuoso e investigador do Mestre.
- o Abade parecia preocupar-se mais com os que se fingiam doentes.
- a obediência absoluta era uma virtude apenas alcançável por uns quantos monges perfeitos. - omitiu-se tudo isto, conservando apenas o que tinha interesse prático, resumindo tudo o mais possível e conferindo-lhe claridade.
- deu grande ênfase à rotina exacta dos ofícios diários.
- prova-se a humildade que exigia aos próprios monges.
- o abade destinava-se acima de tudo a cuidar dos doentes.
- a obediência absoluta era uma virtude alcançável por todos os bem-aventurados.

Mas como e porque é que esta Regra se tornou o expoente máximo do Monaquismo Ocidental?
Em nosso entender, isso ficou a dever-se ao fato de a Regra fornecer bases concretas e precisas para uma vida monástica, conservando, todavia, uma certa flexibilidade, pretendendo indicar um caminho para uma nova ordem e incluindo pormenores de vida diária, indicações sobre os salmos a recitar, quais os livros a ler e sobre as pessoas responsáveis pelas várias atividades, entre outros aspectos da vida dos monges. Sendo abrangente, a Regra de São Bento tem como princípio base da sua doutrina o ideal de obediência de corpo e alma:
- aos princípios espirituais contidos nos Evangelhos;
- à Regra;
- ao abade;
"Aqueles que cumprem, devem, pelo trabalho de obediência, regressar a Deus, que abandonaram devido ao pecado da desobediência"23.
A figura do abade tem grande peso na ordem beneditina, considerado o vigário de Cristo na Comunidade. Logo, a sua palavra tem que ser ouvida como se fosse a do próprio Deus. O abade vai ter na Regra beneditina um papel de consolador e encorajador, sobretudo relativamente aos que incorrem na pena de excomunhão por cauda da desobediência24. Aliás, esta ternura tão pouco habitual em regras anteriores, vai ser uma das principais características da Ordem, conferindo-lhe um sentido universal, destinada a todos os homens da Terra, misturando severidade e rigor com ternura, apoio e compreensão.
A Regra de São Bento ajudou a diluir a idéia defendida no início do séc. VI, e suportada por Santo Agostinho, segundo a qual era difícil que um bom monge se tornasse um bom clérigo. "No one can both perform ecclesiastical (clerical) duties and remain by due order under monastic rule"25.
Com efeito, a Regra possibilitou a evolução e preparação dos monges, que inicialmente eram analfabetos na sua maioria, não tendo formação adequada para exercerem funções de presbíteros. A insistência numa vida em comunidade fechada - a estabilidade era um dos princípios bases da Regra-, produzia um tipo de monge mais civilizado que podia ser aproveitado para o clero secular após uma preparação adequada.
Quando São Bento faleceu, apenas três mosteiros abservavam as suas prescrições e trinta anos mais tarde o próprio mosteiro de Montecassino era destruído pelos Lombardos.
Ao ser eleito Papa, Gregório Grande, antigo monge beneditino, encarregou-se de propagar a Regra da sua Ordem tendo em mente dois objetivos bem definidos26:

1. favorecer o monaquismo, na medida em que era melhor para a expansão do Cristianismo;
2. desenvolver uma legislação unificada sobre a qual poderia exercer maior controle.

No final do seu pontificado já uma grande rede de mosteiros beneditinos cobria a Europa, entre os quais se salientaram as abadias de Jarrow, Malmesbury e Westminster, na Inglaterra, bem como as fundações antigas reconvertidas de Lérins e Marmoutier.
Gradualmente, e com o grande incremento dado por Gregório o Grande, o ideal beneditino foi-se espalhando e alicerçando tendo absorvido até a Regra de Columba, na Irlanda.
A Península Ibérica foi também influenciada pela corrente monástica que então se vivia na Europa.
De imediato ressaltam dois nomes: São Martinho de Dume, que na segunda metade do séc. VI trouxe à Galécia a doutrina do Monaquismo Oriental; de São Frutuoso de Braga, monge visigodo propulsor de um movimento ascético que sobreviveu à invasão islâmica, tendo composto uma Regra para monges e que mais tarde originou uma Regra comum.27.
No reino visigodo cristão vários Padres Hispânicos elaboraram Regras. Entre eles, salientaram-se São Leandro, com uma Regra para Virgens, dedicada a sua irmã Florentina, e Santo Isidoro, cuja Regra se destinou ao mosteiro Honorianense, na Bética.
A vida monástica na Hispânia estava subordinada aos prelados diocesanos-bispos, que tinham o direito não só de escolher o abade dos mosteiros mas também o de corrigir os excessos cometidos contra a Regra.
Este fato demarcou o monaquismo da Espanha goda do ideal beneditino, que impunha que o abade fosse eleito pela Congregação tendo a partir desse momento papel soberano sobre toda a comunidade.
No que se refere à província da Lusitânia, um dos seus mosteiros mais antigos foi o do Lorvão, segundo Fortunato de Almeida28, sendo provável que a sua fundação date de meados do séc. VI e que, a par dos mosteiros de Dume e de São Martinho de Tibães, constitui um marco importante da vida monástica em território que posteriormente viria a ser Portugal29.

VARGAS, Maria Ester. Apostolado Veritatis Splendor: O MONAQUISMO - DOS PRIMÓRDIOS AO SÉC. VII - INÍCIO. Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/1123. Desde 12/05/2003.

BÁRBAROS CRISTÃOS, DENTRO E FORA DO IMPÉRIO ROMANO

Os bárbaros - isto é, por definição, os povos que não falavam nem latim nem grego - sempre tinham cercado e ameaçado o Império Romano, que se protegia deles graças a uma fronteira militarizada contínua, o limes, o limite. No entanto, desde finais do século III, a crise que corroía o mundo romano tornou os custos desta defesa difíceis de assegurar. A barreira tornou-se cada vez mais permeável, mas o cristianismo ganhou com isso novas ocasiões para se difundir entre os povos vizinhos.
É verdade que, havia muito tempo, Roma fazia uma política de sedução junto dos bárbaros mais próximos. Oferecendo-lhes algum dinheiro, os imperadores uniam estas nações belicosas mas economicamente vulneráveis, que se fixavam junto das fronteiras, de modo a criar uma barreira protectora. Estas populações, mais ou menos sedentarizadas, abriam-se às influências culturais dos seus poderosos protectores. Ocasionalmente, o cristianismo aproveitava estas aberturas. Assim, no Norte da Arábia, uma tribo de sarracenos aliada de Roma converteu-se desde os anos 370.
Esta instalação dos povos clientes romanos nas fronteiras não bastou para travar a crise profunda que o Império vivia e cuja causa principal era provavelmente a queda da demografia. Por isso, para repovoar o mundo romano, os dirigentes dos séculos IV e V permitiram que bárbaros entrassem no seu território. Bastantes deles foram contratados para um exército que não conseguia encontrar recrutas entre os cidadãos. Alguns deles tiveram belas carreiras: a maior parte dos grandes generais do Império Tardio, como Estílico ou Estilicão [em latim, Flavius Stilicho], Bauto ou Arbogasto foram bárbaros. Embora, em geral, estes homens tenham permanecido pagãos, os seus filhos converteram-se ao cristianismo e casaram-se com membros das maiores famílias romanas.
Outro bárbaros, em grupos inteiros, foram instalados nas províncias despovoadas para as fortalecer. Assim aconteceu com diversos povos chamados "germânicos" que habitavam a leste do Reno e a norte do Danúbio
e foram arrastados para o Império pelos fluxos migratórios oriundos da Ásia central. Muitas vezes, era a fome que os levava a entrar no Império, não para pilhá-lo, mas para procurar a sua protecção. Quando, então, descobriam o cristianismo, as suas reacções à nova religião dependiam bastante das relações complexas que mantinham com os imperadores.
Nesta perspectiva, basta o destino dos visigodos para resumir o processo de evangelização dos bárbaros. Em meados do século IV, este antigo povo germânico vivia no baixo vale do Danúbio, quando recebeu a visita de Úlfila, um bispo capadócio, que lhe pregou o cristianismo e lhe traduziu a Bíblia em língua gótica. Ora, este Úlfila tinha participado em 360 no Concílio de Constantinopla, em que triunfara a profissão de fé proposta pelo imperador Constâncio II. Estabelecido no seu terreno de missão, Úlfila ensinou aos visigodos o único modelo trinitário que conhecia: a doutrina homoiana, que apresentava o Filho como ligeiramente subordinado ao Pai e que os seus opositores qualificavam como arianismo disfarçado. E assim, por mero acaso, acabava de nascer o "arianismo germânico".
Apesar do ardor de Úlfila, o sucesso do cristianismo não foi imediato. Entre 369 e 372, um dos chefes visigodos, Atanarico, lançou uma perseguição, provavelmente porque a nova religião ameaçava as antigas crenças tribais em torno das quais se fundava a identidade gótica. Tudo mudou quando o poder dos visigodos decaiu e o seu território foi invadido pelos Hunos. Em 376, o chefe Fritigerno foi obrigado a negociar a entrada do seu povo no território romano. Em sinal de boa vontade, converteu-se ao cristianismo homoiano, que, então, era a religião oficial do Império Romano do Oriente.
No entanto, o imperador Valente não teve consideração alguma pelos refugiados. Humilhou os chefes godos e provocou a fome entre os seus povos. Num movimento de desespero, os bárbaros revoltaram-se. Desastradamente, Valente tentou esmagá-los, subestimando a sua força. Assim fazendo, arrastou o exército romano para um dos piores desastres da sua história, a batalha de Andrinopla (378), em que ele próprio encontrou a morte. O traumatismo causado pela derrota selou o destino da doutrina homoiana no Império, onde se considerava que a morte do imperador tinha sido um castigo divino punindo a sua heresia. Em 380, o novo imperador, Teodósio I, pôde sem dificuldade impor o regresso ao catolicismo, doutrina do Concílio de Niceia (325).
Por seu lado, os visigodos continuaram a vaguear através do Império, ora como aliados, ora como inimigos. Mantendo-se fiéis à doutrina pregada por Úlfila, foram descobrindo pouco a pouco que os romanos já não professavam o mesmo modelo trinitário. E, em vez de se converterem ao catolicismo, preferiram continuar "arianos". De facto, embora sofressem uma forte romanização no seu modo de vida, a diferença religiosa permitia-lhes proteger a sua identidade étnica. Por isso, enquanto a língua gótica ia sendo cada vez menos usada no dia-a-dia em proveito do latim, continuava a ser a língua litúrgica da Igreja ariana.

Embora o cristianismo dos visigodos tenha sido fruto do seu oportunismo político, nem por isso era menos sincero. Quando, em 410, fizeram o saque de Roma, respeitaram o direito de asilo das basílicas. Foi preciso esperar por 418 para que, finalmente, o Império lhes confiasse uma tarefa digna e remunerada segundo as suas expectativas. Com efeito, receberam a missão de defender as províncias do Sul da Gália de todos os outros bárbaros. Continuando senhores deste imenso território aquando do desaparecimento do último imperador do Ocidente, os visigodos fizeram dele o seu reino.
Nas regiões que controlavam, os visigodos implantaram um clero ariano e construíram basílicas heréticas. Mas também difundiram a sua fé entre outros povos germânicos. Os ostrogodos, que lhes eram aparentados, tinham sido convertidos desde a época da sua instalação comum nas margens do Danúbio. Os seus reis conservaram esta fé depois de terem conquistado a Itália em 493. Do mesmo modo, os vândalos aceitaram a doutrina ariana, em circunstâncias mal precisas, mas em data muito precoce; o seu reino de África tornou-se uma terra de heresia. Em 466, a diplomacia conquistadora dos soberanos visigodos alcança também a conversão ao arianismo dos suevos instalados no Noroeste das Hispânias. Quanto aos burgúndios, fixados no Reno médio, tinham decidido converter-se ao catolicismo durante os anos 430, pensando que, assim, beneficiariam do apoio de Roma contra os hunos que ameaçavam as suas fronteiras. Mas ficaram cruelmente decepcionados. Por isso, quando, nos anos 470, voltaram a formar um reino independente ao redor de Lião, preferiram converter-se à religião dos seus poderosos aliados visigodos.
Em resumo, por volta do ano 500, no conjunto do Ocidente, o arianismo germânico tornara-se a "lei dos godos", símbolo da sua supremacia. Contudo e paradoxalmente,'as Igrejas arianas abstinham-se de todo o proselitismo em relação às populações locais. Na verdade, a única razão de ser da heresia - baseada numa subtileza teológica, cuja compreensão escapava a muitos - era manter nos novos reinos uma distinção entre "romanos" e "bárbaros". Para que esta estratégia de distinção funcionasse, ainda faltava que os romanos não se sentissem tentados a converter-se ao arianismo. Isso explica que os reis arianos, com a notável excepção dos vândalos, fossem extremamente tolerantes com os seus súbditos católicos.
Esta especificidade do arianismo germânico explica igualmente o seu fracasso entre os povos bárbaros que tinham escolhido aproximar-se das populações romanas. Foi o caso dos francos, que se converteram em massa ao catolicismo depois do baptismo do seu rei Clóvis, por volta do ano 500. Então, jogaram com a sua ortodoxia para se aliarem estreitamente às elites galo-romanas, nomeadamente com o episcopado. Estes apoios permitiram-lhes derrubar os visigodos da Aquitânia, em 507 (batalha de Vouillé).
Desde então, o arianismo começou a recuar em toda a parte. Em 516, os burgúndios proclamaram a igualdade das três pessoas divinas na Trindade,
a pedido do seu rei Segismundo. Em meados do século VI, foi a vez de os reinos vândalo e ostrogodo desaparecerem, vencidos pelos exércitos bizantinos. Então, o imperador Justiniano impôs a doutrina de Niceia no Norte de África e na Itália reconquistados. Os visigodos, voltando-se para as Hispânias, continuaram a ser durante muito tempo um dos últimos bastiões do arianismo. Contudo, em 589, o seu rei Recaredo ordenou a conversão do conjunto do seu povo à fé católica. Tendo compreendido que as tensões confessionais minavam o seu reino, preferira sacrificar a religião identitária dos godos.
Quando Gregório Magno se tornou papa em 590, o catolicismo já triunfava na maior parte dos povos bárbaros instalados nas antigas províncias do Império. Só os lombardos, senhores do Norte de Itália desde 568, se mantiveram fiéis, ainda por alguns decénios (até ao início do século VII) a um arianismo germânico cada vez mais anacrónico.
Bruno Dumézil


HISTÓRIA DO CRISTIANISMO. ALAIN CORBIN. EDITORIAL PRESENÇA, 119-121

Um comentário:

  1. sou membro da ig Batista da agulha (Belem) e formado em Historia pel UEMA, gostaria de adquirir este livro em ebook vc sabe onde?

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